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Na hora de votar, a situação fica ruça, feminino de ruço, do latim roscidus, orvalhado, que hoje também significa...

...complicado, para eleitores que têm fissura, do latim fissura, rachadura, palavra atualmente muito usada para designar grande paixão, por honestidade e ética.

Deonísio da Silva Publicado em 27/06/2008, às 11h13

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Deonísio da Silva
Deonísio da Silva
Fissura: do latim fissura, fenda, rachadura, de fissum, particípio passado do verbo findere, partir, separar. Já no latim, fissura tinha o sentido de ter o coração trespassado de dor, literalmente ou por metáfora. No português coloquial prevaleceram os significados da gíria: angústia, ânsia, loucura, paixão, como em "sou fissurado por música clássica". A cantora Elis Regina (1945-1982) tornou célebre uma canção, intitulada Alô, Alô, Marciano, de Rita Lee (60) e Roberto de Carvalho (55), em cujos versos aparece fissura como sinônimo de angústia: "Alô, alô, marciano/ Aqui quem fala é da Terra/ Pra variar, estamos em guerra/ Você não imagina a loucura/ O ser humano tá na maior fissura porque/ Tá cada vez mais down o high society/ Down, down, down...". Os versos não aludiam apenas a ânsias difusas da sociedade do período - a década de 1980 - mas a um individualismo que descaracterizava o brasileiro, cuja solidariedade é notória: "Alô, alô, marciano,/ A crise tá virando zona,/ Cada um por si, todo mundo na lona...". Mona: do português de Angola mona, radicado no quimbundo mona, criança, rapaz, moça, provavelmente com origem no suto monna ou no nhungüe muna, ambos designando homem, por influência de mono indicar macaco, segundo relato de frei Francisco de São Luiz (1766-1845), citado por José Ramos Tinhorão (80) em Os Negros em Portugal: "(...) é vocábulo africano que designa uma espécie de bugio, de longa cauda, originário do país dos negros". O "país", no caso, era um dos maiores continentes do mundo, a África! O suto é língua falada pelo povo Sotho, dito também Ba-Suto, do Reino de Lesoto, na África meridional, segundo o Dicionário Banto do Brasil, de Nei Lopes (66). O nhungüe é língua falada pelos povos nhungües na Província de Tete, em Moçambique, na África. No Brasil, mona veio a designar depreciativamente, na gíria, o homossexual masculino. Ruço: do latim roscidus, orvalhado. Folhas orvalhadas parecem ter manchas brancas e por isso barba e cabelos grisalhos teriam aparência ruça. O dicionário Aurélio ensina que, não como adjetivo, mas como substantivo, ruço designa a "névoa densa que alcança a Serra do Mar e se espalha à maneira de massa compacta que impede a visibilidade e umedece ou molha o ambiente". Mas por que ruço teria, como adjetivo, vindo a designar contexto complicado? Pode estar nas entranhas desta palavra um disfarçado anti-semitismo, que a alteração da escrita de russo para ruço ajudou a encobrir. É que imigrantes judeus vindos da Rússia enfrentavam situações adversas e a brutal necessidade de economia levou-os a serem designados como avarentos. Ainda não se pode comprovar isso no português, mas, no lunfardo, ruso guardou os significados de avarento, mesquinho, tacanho. Na letra de Alô, Alô, Marciano, já citada no verbete "fissura", aparece o feminino de ruço para designar situação adversa: "A coisa tá ficando ruça,/ Muita patrulha, muita bagunça/ O muro começou a pichar". Já os russos propriamente ditos também estão à beira de uma situação ruça, conforme artigo do historiador britânico Paul Kennedy (63), publicado no jornal argentino El Clarín. Escreveu ele: "Não há motivo para alegrar-se com o futuro da Rússia". E explicou que os 141,9 milhões de russos têm as maiores reservas energéticas do mundo, sobretudo de petróleo, que, a 139 dólares o barril, trazem muito dinheiro para esse país de 17 milhões de quilômetros quadrados e PIB de 763,7 bilhões de dólares (em 2005), mas está mal de saúde e caminha para um sério problema demográfico. A população vem morrendo cedo, principalmente do coração, e as famílias têm poucos filhos. Vilamiséria: do lunfardo villamiseria, bairro muito pobre, sem infra-estrutura urbana adequada, às vezes sem água encanada, sem esgoto e cujas casas obtêm eletricidade de gambiarras nos postes. As duas palavras que se juntaram vieram do espanhol villa e miseria, radicadas no latim villa, casa de campo, afastada da cidade, e miseria, miséria, extrema pobreza. A nova palavra surgiu na Argentina ao tempo do segundo governo de Juan Domingo Perón (1895-1974) para designar as casas com teto de lata surgidas em Buenos Aires durante o êxodo rural, segundo informa Oscar Conde (47), professor da universidade de Buenos Aires, em Diccionario Etimológico del Lunfardo. A nova designação para esses bairros pobres foi inspirada no título do romance do argentino Bernardo Verbitsky (1907-1979), Villa Miseria también Es América, publicado em 1957. A palavra, embora ainda não registrada nos dicionários, já é empregada no Brasil Meridional.