CARAS Brasil
Busca
Facebook CARAS BrasilTwitter CARAS BrasilInstagram CARAS BrasilYoutube CARAS BrasilTiktok CARAS BrasilSpotify CARAS Brasil

Mudar vem do latim mutare. Há quem mude de casa, de opinião, até de fisionomia...

...Quando se mudam para Minas, os brasileiros de outros Estados estranham a expressão "trem", usada para nomear qualquer coisa. No resto do país, a palavra curinga é treco, do árabe tarayk.

Deonísio da Silva Publicado em 07/11/2007, às 17h39

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Deonísio da Silva
Deonísio da Silva
Engatar: palavra formada de en mais gat (o) mais ar. Veio, portanto, de gato, do latim cattu, declinação de cattus, gato, como os romanos passaram a denominar o felino depois da domesticação. O étimo da palavra está presente em outros vocábulos latinos: catus é agudo, pontudo, mas tem também o sentido de fino, penetrante, sutil, habilidoso. Designava o gatoe o mantelete, arma de guerra do exército romano. Catta era gata e também uma ave noturna. Engatar passou a designar o que, na linguagem popular, fazem os gatos e cachorros durante o ato sexual. É ainda o que o que o gato faz com sua presa, no sentido de prender. Caluniado com a palavra gatuno, ladrão, quando ele só confisca para comer, sem nada acumular, o animal passou a designar também o roubo de água, de energia elétrica, de sinal de televisão a cabo, mediante ligações clandestinas, em que se engatam fios e canos indevidos. O Diccionario da Lingua Portugueza, de Antonio de Moraes Silva (1757- 1824), publicado em 1789, em Lisboa, e que traz o nome do autor apenas a partir da segunda edição, de 1813, já registra o sentido de engatar radicado em gato. Ligação: do latim ligatione, declinação de ligatio, ligação. Nos dois casos o "t" tem som de "s", conservado em português, ainda que escrito com "ç". O étimo da palavra está presente em muitas outras, de sentido semelhante, como liga, mistura (principalmente metálica). Aparece em "marco da prata de liga", moeda que valia "dez e nove livras", como lemos em Chronica do Senhor Rei Dom Pedro I,Oitavo Rei de Portugal, de Fernão Lopes (1380-1460), que o dicionarista José Pedro Machado (1914-2005) estranhou, mas significava dezenove libras (dez e nove). Neste texto, o cronista tem um belo parágrafo sobre as primeiras moedas portuguesas: "No tempo d'este rei, valia o marco da prata de liga dezenove libras, e a dobra mourisca três libras e quinze soldos, e o escudo três libras e dezessete soldos, e o moutão três libras e dezenove soldos. Este rei Dom Pedro não mudou moeda por cobiça de temporal ganho; mas lavrou-se em seu tempo mui nobre moeda de oiro e prata sem outra mistura, a saber, dobras de bom oiro fino, de tamanho peso como as dobras cruzadas que faziam em Sevilha, que chamavam de Dona Branca. E estas dobras que el-rei Dom Pedro mandava lavrar, cincoenta d'ellas faziam um marco (...) e de uma parte tinham quinas e da outra figura de homem com barbas nas faces e coroa na cabeça, assentado em uma cadeira, com uma espada na mão direita, e havia letras ao redor, por latim, que em linguagem diziam: Pedro, rei de Portugal e do Algarve, e da outra parte: Deus, ajuda-me e faze-me excelente vencedor sobre meus inimigos (...)".Mudar: do latim mutare, mudar, modificar. No latim já designava, entre outros sentidos, a mudança de aparência pelo tingimento dos cabelos, a mudança de opinião de um juiz (mutare sententiam, mudar a sentença), a mudança de tom, de pronúncia, para disfarçar voz (mutare vocem). A maior de todas as mudanças na identidade ocorre com alterações no rosto, que nenhum homem tem igual ao outro, nem os gêmeos. Aguinaldo Silva (63), autor da novela Duas Caras, da Rede Globo, criou o personagem Adalberto inspirado em José Dirceu (61). Já na primeira semana de exibição, ele decide mudar de rosto e de nome para dar andamento às falcatruas com que estreou no papel de vilão da trama: após saquear os cadáveres de um casal que havia sofrido desastre rodoviário, ele se apresenta à única filha sobrevivente com um monte de mentiras. Treco: no sentido de algo de que não se sabe ou a que não se quer dar nome, veio de tareco, do árabe tarayk, ninharia, coisa de pouco valor. Para designar treco, os mineiros usam muito "trem", palavra mais do que polissêmica, para eles, significando do trem propriamente dito a qualquer coisa que integre a bagagem do viajante. Assim como trem parece ser curinga no linguajar mineiro, dáse fenômeno semelhante com treco no resto do país. Se a pessoa tem um mal-estar impossível de ser diagnosticado, teve um treco. Se comete ato desatinado, "deu um treco nela" - o que em Minas Gerais pode ser nomeado de outro modo, pois lá as pessoas não ficam loucas, como registra Frei Betto (63): "Em Minas ninguém enlouquece, o vivente apenas se manifesta". Em Portugal, na região do Minho, tareco é testículo. No Alentejo, chocalho. Em Trás-os-Montes, ato de má-fé, engano. Em Pernambuco e em Alagoas, biscoito torrado. Em Goiás, bolo frito.