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Quando perdemos alguém querido, é impossível conter...

...o pranto, do latim planctum, radicado em plangere, bater no peito em sinal de tristeza. Mas, com o tempo, as boas lembranças daquele que se foi acabam por nos trazer de volta o riso, do latim risu, originado no verbo ridere, rir. por Deonísio da Silva

Deonísio da Silva Publicado em 12/09/2007, às 10h43

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Deonísio da Silva
Deonísio da Silva
Abraço: de a, mais braço, do latim vulgar bracciu, que no latim clássico é bracchium. Do mesmo modo como o beijo, sinal de amor, mas que às vezes indica traição, como no clássico "beijo de Judas", relatado na Bíblia, também o abraço, em geral um gesto de amizade, pode designar o seu contrário, ainda que, no caso do português brasileiro, a sabedoria popular tenha recorrido não a um apóstolo desleal, traidor, mas a um comedor de formigas para designar a falsidade, na expressão "abraço de tamanduá". O animal deita-se de barriga para cima, abre os braços e, surpreendendo a vítima, abraça-a até matá-la. Quem dá esse tipo de abraço não é verdadeiro amigo, é amigo-da-onça. Às vezes, para evitá-lo, a pessoa tem que ter estômago de avestruz, ave cujo sistema digestivo é dotado de poderosos sucos gástricos, capazes de digerir até mesmo pedras. Cisne: do francês antigo cisne, modo de escrever o latim popular cicnu. No latim clássico é cycnu, vindo do grego k"knos. Designa ave palmípede aquática, isto é, que tem os dedos dos pés ligados por membrana, formando uma palma, e que vive mais na água do que na terra. Os cisnes existem em quase todos os continentes e há sete espécies. Todos são grandes e brancos, mas alguns têm o pescoço preto. Designa uma constelação e, em Portugal, é gíria que indica o espião que fica de sentinela enquanto os outros meliantes praticam o roubo. Por metáfora, passou a designar o poeta. Também o ato final de uma existência é referido como o canto do cisne de algum profissional, segundo a crença popular de que o cisne, antes de morrer, produz o mais belo de seus cantos. O poeta mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), visitando o também poeta Cruz e Sousa (1861-1898), catarinense cujo trabalho muito admirava, cunhou a expressão "cisne negro" para designá-lo. Pranto: do latim planctum, pranto, choro. A raiz é plangere, bater, no peito ou nas coxas, em sinal de grande tristeza, chorando e lamentando. Houve troca do "l" por "r", fenômeno semelhante ao que se dá com claro, pronunciado também "craro", com a diferença de que a gramática da norma culta da língua portuguesa aceita "pranto" e recusa "craro". Nos ritos da morte, cada cultura tem uma forma diferenciada de prantear seus mortos. Nos jornais aparecem convites para missas de sétimo dia, no caso de católicos, ou comunicados da Matzeiva, como os judeus chamam a lápide que indica o local do sepultamento. No primeiro, o padre encomenda a Deus a alma do falecido. No segundo, a inauguração da lápide, realizada cerca de um ano depois do enterro, é conhecida como a "descoberta da Matzeiva", que põe fim a um ano de luto fechado. Na ocasião, é rezado o kadish, que significa sagrado em aramaico, designando a oração em favor dos mortos. A palavra pranto aparece num dos mais belos sermões do padre Antônio Vieira (1608-1697), Il Pianto d'Eraclito, Che di Tutto Piangeva (O pranto de Heráclito, que por tudo chorava), pregado originalmente em italiano, na corte da rainha Cristina (1626-1689) da Suécia, em Roma, quando o famoso orador lá estava para defender-se das acusações da Inquisição. Já o poeta Vinicius de Moraes (1913-1980) recomendou em Revolta: "Alma que sofres pavorosamente/ A dor de seres privilegiada,/ Abandona o teu pranto, sê contente/ Antes que o horror da solidão te invada". Riso: do latim risu, ligado ao substantivo risus e ao particípio risum, do verbo ridere, rir. Como os dentes sobressaem no riso, criou-se a expressão "riso amarelo", indicadora de que se ri a contragosto. Já o riso sardônico talvez tenha origem numa erva da Sardenha que, quando mastigada, provoca espasmos involuntários de riso. Na mesma ocasião em que o padre Vieira encontrou a rainha Cristina, outro jesuíta, o padre Jerônimo Cataneo, diante da mesma soberana, proferiu o sermão Il Riso di Demócrito, Che Tutto Scherniva (O riso de Demócrito, que de tudo zombava). Alphonsus de Guimaraens também tem uma bela estrofe sobre o riso, no qual o pranto aparece embutido: "A dor imaterial que magoa o teu riso,/ Tênue, pairando à flor dos lábios, tão de leve,/ Fazme sempre pensar em tudo o que é indeciso:/ Luares, pores-do-sol, cousas que morrem breve". Em outro poema, intitulado A Catedral, o poeta faz rima com o próprio prenome: "E a catedral ebúrnea do meu sonho/ Afunda-se no caos do céu medonho/ Como um astro que já morreu./ E o sino geme em lúgubres responsos:/ 'Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus'!" Pai de muitos filhos, devotado e místico, de hábitos reclusos e quase sempre solitário, o poeta foi juiz municipal em Mariana (MG), onde escreveu a maioria de sua obra, referência no simbolismo brasileiro.