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Os homens continuam necessários, mas não são mais indispensáveis

Anna Veronica Mautner Publicado em 08/02/2007, às 09h49

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Anna Veronica Mautner
Anna Veronica Mautner
Um livro de título instigante caiu-me nas mãos recentemente. Trata-se de Os Homens São Necessários?, da jornalista norte-americana Maureen Dowd (Nova Fronteira). Bem, para começar, seria estranho imaginar a sobrevivência de homens e mulheres se um deles - no caso, os homens - não exercesse função necessária. Se eles são indispensáveis, hoje, podemos até discutir. Afinal, com os recursos da inseminação artificial, a presença física masculina, no que diz respeito à reprodução, tornou-se mesmo questionável. Mas o livro levanta a dúvida do ponto de vista da organização social e grupal, não apenas da reprodução. Na minha opinião, mesmo não sendo a relação sexual a única forma de procriar, a figura masculina ainda complementa, sim, as funções familiares, em especial quanto à sobrevivência física e cultural dos povos. Uma mulher sozinha vivendo no campo e tendo de se haver com todas as tarefas desse ambiente por certo enfrenta dificuldades. Ela só pode administrar a situação se tiver empregados. Nas cidades, a realidade é outra, pois as tarefas pouco têm a ver com o gênero de quem as realiza. Homem e mulher podem comerciar, cuidar de casa, fazer pequenos serviços. Criar filhos na ausência de um pai é mais complicado, mas não impossível. Cuidar do ninho e das crianças, por outro lado, são tarefas que assustam o homem. Ele é capaz disso, como muitas mulheres são capazes de consertar, mas ambos se ressentem quando têm de trocar de papel. Há até uma expressão usada com freqüência: "Precisa chamar um homem". Pode ser qualquer um, para trocar lâmpada, consertar tomada, subir em escada. Embora na vida urbana homens e mulheres se mesclem nos espaços públicos como se fossem iguais, em casa ocorre uma diferenciação, como se o lar fosse outro mundo, pertencesse a outra época. Podemos imaginar que tarefas e funções na família sejam intercambiáveis. Do ponto de vista funcional, de fato são. Homens cozinham, trocam fraldas de bebê, consertam, arrumam, como as mulheres. Estas, por sua vez, cada dia mais aprendem os meandros das tarefas de consertar, refazer e montar. Isso pode ser motivo de orgulho, mas não é confortável e dá à mulher sensação de desamparo, solidão, e ao homem a de falta de função. O sentimento primitivo, arcaico, que percebemos em nós é que ter alguém em parceria no destino de viver juntos o dia-a-dia não desapareceu. Todas as mulheres podem acertar a porca de um parafuso, mas é mais gostoso ter alguém a quem recorrer para realizar essa tarefa. Chamo de arcaico esse sentimento porque ele nos remete ao tempo das cavernas, quando o exercício das funções masculinas era ligado à vida e à morte. No momento em que um homem sobe na escada para trocar a lâmpada, invade-nos uma espécie de júbilo e uma sensação de segurança. São resquícios de velhas parcerias. É um mergulho simbólico que mantemos dentro de nós como se fora uma cripta: "Eu, mulher, subo escada se for para limpar vidro ou estante, mas prefiro um homem para trocar a lâmpada". Podemos dizer, pois, que os homens ainda são necessários, embora não indispensáveis. Precisamos de sua ação para nos fornecer o bem-estar associado a uma vida protegida, à segurança de nossos filhos e de nossa casa. Podemos até prescindir deles para essas tarefas, por questão de orgulho ou o que for, mas o fato é que eles se sentem bem provendo e protegendo e quase todas as mulheres aceitam gestos simbólicos que indicam não estarem desamparadas. A persistência de tais sensações, que transcendem épocas, mantém a solidariedade do casal, esta sim tão necessária quanto indispensável entre humanos, cujos filhos precisam do ninho por mais tempo do que os das outras espécies. É por essas e outras que repito, sem medo de errar: os homens continuam, sim, necessários.