DERCY GONÇALVES EM SEU APARTAMENTO

por Carlos Lima Costa Em contagem regressiva para chegar aos 100 anos de idade -que se completam sábado, 23 -, Dercy Gonçalves se diz surpreendida com a série de homenagens que vem recebendo em São Paulo e no Rio. "O que foi que eu fiz? Só porque falei palavrão mereço isso tudo? Fico feliz, mas não ligo para essas comemorações", afirma a atriz. No dia de seu centenário, ela viajará para Santa Maria Madalena, sua cidade natal, no interior fluminense, para festa que será o ponto alto de uma temporada de eventos. "Vou porque amo a minha cidade. Gosto de festa, da farra, mas não sou farrista. Gosto do palavrão, mas não sou pornográfica nem desbocada. Na realidade, nunca falei palavrão. Palavrão é o preço alto do condomínio, dos remédios. Isso é roubar o dinheiro do povo", ressalta ela, que será tema da exposição Dercy É 100, na Casa de Cultura Laura Alvim, Rio, a partir do dia 26. No apartamento em que mora há mais de 30 anos, decorado por ela própria, em Copacabana, no Rio, e recebe visita diária da única filha, Decimar (72), Dercy mostra que não perdeu a vaidade. O que se comprova nas roupas cheias de brilhos, nas inúmeras bijuterias e perucas e até no banheiro todo espelhado. "Minha casa é uma fantasia. Gosto de me olhar, ver como estou: bonita ou feia. E adoro bijuterias, me vestir bem. Mulher nenhuma deve perder a vaidade. Aquela que relaxa não é fêmea, é bicho. Não saio nem apareço para ninguém se não estiver maquiada. Agora, a beleza cansa.À noite, quando tiro tudo, é um alívio (risos). Embora goste quando dizem: 'Você está linda'. É bom ouvir, sou mulher", explica ela. - Como está sendo chegar aos 100 anos? - Está chegando por conta Dele. Não sinto que tenha isso. Idade não é nada. É preciso ter cabeça, raciocínio. Não vi a banda passar, acompanhei a banda. Se errei ou acertei, não lembro. Sei que a vida foi linda e sou feliz. Hoje, preciso de saúde. E tenho. Então, não sinto saudade do passado nem de ninguém. A vida passa, tudo acaba. Vivo o hoje. Se amanhã não estiver aqui, tudo bem, fui como os outros. - Não tem medo da morte? - Absolutamente. A morte é o descanso da vida. Esta sim é uma luta. Agora, tudo que fiz na vida valeu. Estou com 100 anos, cheia de saúde, porque não abusei, não quis nada que é dos outros. Nunca roubei. Quer dizer... na juventude eu roubava dinheiro do vovô para comprar rosca. E guardanapo no bingo eu roubo que só vendo. - No dia que você se for, como deseja ser lembrada? - Eu não quero nem que lembrem de mim. Para quê? - Qual o melhor e o pior de se chegar aos 100 anos? - O pior é que vamos perdendo as energias. Então, tenho uma menina aqui em casa que todo dia de manhã me faz massagem, alongamento. E tomo guaraná em pó, café forte. O melhor de se chegar nessa idade é você viver. Cem anos é um prêmio. Quero brincar, não suporto solidão. Todo dia, às quatro da tarde, já estou na rua. Vou para o bingo, o que me distrai, ou para alguma festa. Dou a vida por um convite. Agora, Deus disse 'te dou 100 anos, mas não abusa'. Então, se começo a ficar cansada, volto para casa e vou dormir. Não abuso. Mas como o que quero: feijão, carne-seca, bacalhau, milho cozido, não tenho restrição. - Ainda tem algum sonho? - Nada, nunca quis o exagero, o impossível, nem amei ninguém... - Não amou nenhum homem? - Nunca! Me casei porque Danilo Bastos queria transar, aí falei que precisava casar. Na época, minhaúnica filha, Decimar, de uma relação que chamo de amizade com Ademar Martins, já havia nascido. Danilo topou e ficamos casados por 20 anos. Mas ele é que aproveitava. Tinha uma raiva danada disso. Nunca gostei de sexo, nunca fui de sentir dor à toa, de ficar fazendo esse papel triste. Deus criou o sexo para fazer a humanidade. Como vai colocar sacanagem em cima? Essa patifaria é invenção do homem. E tem gente que finge que ama só para transar. Amor é entre mãe e filho. Nunca precisei de homem para viver. Sempre trabalhei, lutei e fui 'mulher-homem'. Só não sou sapatão. Produção: Mirian Fonseca; Beleza: Adriana de Bossens.FOTOS:FERNANDO LEMOS/LEMOS FOTOGRAFIA