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A palavra xibolete, do hebraico shibolet, espiga, nomeia um jeito especial de pronunciar uma palavra...

...espécie de senha capaz de identificar a origem da pessoa que fala. A terminação "ão" é o principal xibolete do português e os estrangeiros têm muita dificuldade em pronunciá-la.

Deonísio da Silva Publicado em 18/04/2008, às 12h41

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Deonísio da Silva
Deonísio da Silva
Ão: terminação comum no português, constituindo-se no seu principal xibolete (veja o último verbete desta página), uma espécie de cédula de identidade de nosso idioma. O poeta gaúcho Mário Quintana (1906-1994), percebendo a dificuldade do papa João Paulo II (1920-2005) em pronunciar o ditongo "ão", escreveu a ele: "Sendo Vossa Santidade um poliglota notável, vejo que não consegue pronunciar o famoso ão da língua portuguesa. E tomo a liberdade de esclarecê-lo sobre esta pronúncia. Considere o ão como dois monossílabos, ã mais o, e tente pronunciá-los cada vez mais rapidamente. Assim obterá o nosso ão. Esperando sua bênção, respeitosamente. Mário Quintana". Encrencado: de encrencar, de encrenca, palavra de origem obscura, encrencado é aquele se encrencou, que se tornou complicado, difícil, atrapalhado. Ou ainda enguiçado, desarranjado, encalhado. A origem remota de encrenca, escrita enclenca no século XIV, ligou-se à forma arcaica encreo, designando o herege, em geral o judeu, perseguido duramente pela Inquisição. Ser encreo, atualmente grafado incréu, era meter-se em sérias dificuldades, daí o significado que a palavra tomou. O escritor, humorista e apresentador de televisão Jô Soares (70), porém, descobriu outra explicação para a origem do vocábulo. Estaria numa frase pronunciada por prostitutas alemãs que atuavam na antiga zona de meretrício do Rio de Janeiro no começo do século passado. "Ich habe ein kranke", elas diziam, furtando-se a programas com homens que não as pagariam pelos serviços sexuais prestados. Em desjeitoso alemão, variante de Ich bin kranke (eu estou doente), a frase significaria literalmente "eu tenho uma doença". Os clientes conformavam-se: meter-se com elas traria complicações, seria encrenca. Silveira Bueno (1898-1989), apoiado em Joan Corominas (1905-1997), dá outra origem para a palavra. Encrenca teria sucedido enclenca, do espanhol enclenque, muito fraco, enfermo. Há indícios de que esta seja a hipótese mais provável, pois o occitano tem clenc, doente, e o provençal tem cranc, coxo, impotente, e encrancat, aborrecido, com dor nas costas. Poderia ter havido cruzamento entre o genitivo do latim cancer, cancri, câncer, caranguejo, por causa do andar vacilante, e a forma dialetal do francês antigo esclenc, esquerdo, com vinculações no alemão antigo Slink. Para aludir à prostituta enferma, os fregueses diziam que tinha clenque ou clanco. Esta última forma passou a ser pronunciada cancro, fixado assim também no português. O étimo de enclenque é o mesmo do latim clinicus, clínico, que tinha a variante inclinicus no latim vulgar. Teclado: de tecla, de origem controversa, talvez do árabe têqra, caixinha, ou do latim tegula, telha, ou ainda do latim tudicula, martelinho, diminutivo de tudes, malho, martelo. As teclas de pianos e outros instrumentos congêneres semelhariam telhados. Há um teclado em que cada vez mais gente bate, digita ou tecla. É o do computador, sucessor da máquina de escrever. Não estão dispostas em ordem alfabética as letras dos teclados. Os dos computadores seguem o padrão da máquina de escrever, quando a invenção foi patenteada pelo norte-americano Christopher Scholes (1819-1890). Para organizar as teclas aproximando os pares de letras mais usados na língua inglesa, ele aperfeiçoou a idéia de James Densmore (1820-1889), seu sócio, e criou o teclado QWERTY, nome que é a leitura das letras na seqüência que se tornou famosa. No Brasil, 99% dos teclados estão no padrão QWERTY. Mas há outras configurações, como a criada por August Dvorak (1894-1975) e William Dealey (?-?), em 1936, conhecida como padrão Dvorak. Nenhum outro se tornou tão popular, entretanto, como o de Scholes. Xibolete: do hebraico shibolet, espiga, tendo a variação dialetal sibolet, passou a nomear um jeito especial de pronunciar uma palavra, capaz de identificar a origem de quem a pronuncia. A Bíblia, no Livro do Juízes, conta-nos uma história de guerra na qual esta palavra funcionou como senha, tendo resultado em muitas mortes. A tribo de Galaad estava em guerra com a de Efraim. Para identificar efraimitas fugitivos, seus inimigos pediam que dissessem shibolet. Quem pronunciava sibolet era morto. Foram eliminados 42 000 efraimitas. Cláudio Moreno (58), doutor em Letras e professor de Português em Porto Alegre, autor da série Guia Prático do Português Correto, tratou da questão em O Prazer das Palavras (L&PM Pocket). O principal xibolete da língua portuguesa é o "ão" (veja o primeiro verbete desta página). Mas há outros.