Postura excessivamente crítica só agrava os problemas dos parceiros

Redação Publicado em 13/02/2013, às 12h13 - Atualizado em 10/05/2019, às 11h20

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Muitos acreditam que perceber defeitos é evidência de sua inteligência. Mas o olhar que se volta para a falha — e que nela se especializa — nada mais faz do que promovê-la. Ser emocionalmente inteligente — e maduro, sensato, generoso, capacitado para as relações — requer, na verdade, outra habilidade, a de perceber e grifar o bom.

A experiência clínica me ensinou — e a vida confirma — que a consciência dos recursos que permanecem íntegros no sistema conjugal é o que capacita um casal a dar conta de suas dificuldades. O foco no que está (ou parece estar) disfuncional só contribui para o agravamento dos problemas, além de promover terrível sentimento de impotência. Para que se sintam potentes, é preciso que as pessoas se reconheçam como preenchidas de recursos, habilidades, talentos, força, discernimento e otimismo em relação ao desenlace positivo que os conflitos podem ter. Quando se aposta no bom, promove-se o bom. Quando, em nome da esperteza e da segurança, o ruim e o errado são enfatizados, erguem-se muralhas impeditivas à preservação do vínculo e ao desenvolvimento da experiência amorosa. Um único gesto de compaixão, de compreensão e de perdão tem maior potencial construtivo que mil críticas, por mais pertinentes que possam ser.

Um conto árabe revela como, ao longo de 1001 noites, Sherazade foi capaz de preservar acesa a chama de uma relação conjugal e de demover seu parceiro, o rei Shariar, do intento de matá-la. Ele dera cabo de todas as parceiras anteriores e pretendia matar quantas mais viesse a ter, em represália à traição sofrida por parte da primeira esposa. Sherazade o entretinha com histórias fascinantes, que interrompia a certa altura para retomar depois.

Esse enredo retrata uma dinâmica interna comum a todos nós e nos alerta para o perigo de descuidar dos rumos que a vida pode tomar, além de apontar um caminho possível para a superação das dificuldades. O rei personifica a sede de vingança, a ausência de reflexão, a dificuldade de lidar com conflitos — traços que podem estar presentes em todas as pessoas. Para fazer frente a esse espírito assassino (que, aliás, gosta de se disfarçar de “crítico esperto”), nossa psique dispõe de uma Sherazade (não por acaso, uma força masculina imatura, destrutiva, de um lado, e seu contraponto, de outro: uma disposição feminina cuidadosa, criativa, preservadora). Depende de cada um de nós a escolha de qual dessas dimensões deverá preponderar em nossa psique e permear nossos posicionamentos em relações amorosas. O rei, a um só tempo arrogante e despreparado, pode ser tocado e humanizado por um feminino habilidoso como Sherazade, sem que para isso devam existir acusações, julgamentos ou punições. Uma vez que Sherazade e Shariar são imagens arquetípicas, eles habitam igualmente psiques de homens e de mulheres, bem como de casais, na qualidade de sistemas psíquicos. Pois bem: mil vezes uma Sherazade sábia do que um Shariar espertinho.

No conto, o que sedimenta a nova disposição do rei, promovida pela esposa,  é a encantadora imagem das crianças nascidas daquela união. O rei sequer se dera conta de que havia fertilizado a esposa. Para além de qualquer dúvida, o que possibilitou a longevidade e a qualidade do relacionamento foi a luz que incidiu sobre o bom e não a celebração das trevas.

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