Para preservar o amor, os casais precisam fazer o óbvio, namorar

Joaquim Zailton Motta Publicado em 19/05/2008, às 11h30

Joaquim Zailton Motta -
A moça experimenta roupas. Pede sugestão à mãe, à amiga, capricha na maquilagem, procura o melhor visual e imagina a nova lingerie como especial provocação para o namorado. À noite, ele virá buscá-la em casa, também bem-cuidado, estreando um perfume de proposta afrodisíaca, o carro recém-polido. Os dois tentam aproveitar ao máximo o jantar intimista iluminado a castiçais e regado a bom vinho, ensaiam propostas eróticas, beijam-se e tocam-se a todo instante, prolongando a noite em um motel. Na estréia do milênio, casam-se. A cerimônia e a lua-demel são esplendorosas. Ao retornar às funções profissionais e iniciar a convivência diária, vão sentindo as primeiras demandas da vida em comum. Sete anos depois, programam encontrar-se com um casal de amigos para um chope. Ela providencia um traje novo para si e uma camiseta fashion para ele. Pouco antes da hora combinada, o telefone toca: a amiga não mais sairia. Ficam em casa, põem camisola, pijama e assistem a um filme na TV. Que mudança! Todo o charme e o encanto de uma noite, tão fáceis de ser vividos no tempo do namoro, agora se desfazem em minutos. O casal não consegue nem sair de casa sem a companhia de outras pessoas. É notório que, progressivamente, muitos cônjuges vão se distanciando dos enlevos eróticos, das vivências românticas, incluindo atitudes isoladas, individuais ou agregadas a terceiros. De bons amantes do início da história tendem a se comportar como parentes, irmãos, companheiros de república. A moradia compartilhada implica visceralização. No casal abonado, cada par pode usufruir sua suíte, mas a maioria divide o banheiro. Usar a toalete comum implica o risco de descuidos, como se esquecer de dar a descarga, não fechar a porta... Dormir juntos nem sempre significa oportunidade sexual e pode implicar lances desagradáveis, como ouvir os roncos. Conciliar o sono pode ser automático para quem dorme ao encostar no travesseiro, mas é árdua tarefa para o insone. A gravidez, o aleitamento, a presença de filhos e suas necessidades concorrerão com as expectativas eróticas dos pares. Sempre há tendência à acomodação. Existem aqueles que se entediam menos, mas o problema é comum. Durante as crises evolutivas e de saúde, os casais também são postos à prova. Transformar o criado-mudo em prateleira de remédios e fazer da cama leito hospitalar são inaceitáveis para alguns. Existem os que têm facilidade em conciliar as duas intimidades: amam-se visceralmente sem prejudicar a libido e a ternura. Menstruação e sexo são compatíveis para eles, mas constituem uma minoria. A maioria deve combater essa propensão, evitando que o destino visceral predomine e o amor desapareça. É essencial que os pares continuem se produzindo para si e não só ao receber visitas. O faqueiro que ganharam ao casar é para ser usado em uma refeição a dois, não quando têm hóspedes especiais. À medida que cada um se reserve na intimidade visceral e se exponha na erótica, a relação é revigorada no enlevo romântico e no prazer sexual. O namoro é resgatado em cama, mesa e banho. A rotina doméstica pode depreciar o vínculo amoroso de maneira irrecuperável. Para segurar o amor, os parceiros não têm alternativa, a não ser a mais óbvia e prosaica: namorar.
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