Em cartas aos clientes, certos bancos e magazines, do árabe makhâzan, armazém,..

... às vezes grafam de forma errada a abreviação do pronome, do latim pronomen, Vossa Senhoria (V.Sa.) e acabam dispensando a eles, por desconhecimento, o tratamento de Vossa Santidade (VS).

Deonísio da Silva Publicado em 25/04/2008, às 16h04

Deonísio da Silva -
Dentista: de dente, do latim dente, declinação de dens, dente. Tiradentes, o nome popular de Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), mártir e herói da Inconfidência Mineira, enforcado e esquartejado aos 46 anos, era dentista, mas esta palavra somente entraria na língua portuguesa no século seguinte. Como extraía dentes e tratava de enfermidades da boca, exercia ofício que cuidava das estomatites, inflamações internas da boca, assim denominadas porque boca, em grego, é stomatos, que passou ao francês como stomate. Mas o herói ficou conhecido sobretudo pelo cargo de alferes, do árabe al-faris, cavaleiro. Tiradentes era um apelido depreciativo, pois o verdadeiro dentista recebia então a denominação de cirurgião. Fugindo de referências populares, os cursos superiores preferiram recorrer ao grego e assim surgiu a palavra odontologia, ainda que, na prática, o profissional formado continue sendo chamado de dentista ou cirurgiãodentista. Tiradentes, oriundo de classe popular, ligou-se a autoridades e a membros da elite para deflagrar a insurreição que, combatendo a derrama de pesados impostos, pretendia tornar o Brasil independente a partir de Minas Gerais. Na época, de cada dez brasileiros que estudavam na Universidade de Coimbra - o Brasil ainda não tinha universidades -, oito eram mineiros. Os inconfidentes, inspirados nos ideais da Revolução Francesa e na Independência dos Estados Unidos, pretendiam criar a primeira universidade brasileira em São João del Rei, que seria a capital da nascente república. Ironicamente, vários de seus projetos foram implantados no Brasil com a vinda de dom João VI (1767-1826), em 1808, apenas dezesseis anos depois da execução de Tiradentes. A rainha Maria I (1734-1816), a Louca, foi particularmente cruel com apenas um dos condenados, justamente o pobre do grupo. Todos os outros foram condenados a degredo, exceto um dos intelectuais, Cláudio Manoel da Costa (1729-1789), que se suicidou no cárcere. O historiador paulista Boris Fausto (77) defende a idéia de que a memória de Tiradentes se perpetuou entre o povo pela solenidade de sua execução. A leitura de sentença durou cerca de 18 horas. A procissão que o levou da cadeia até o patíbulo, no Rio de Janeiro, foi acompanhada por uma multidão, ao som de fanfarras barulhentas e vivas à rainha, que era avó de dom Pedro I (1798-1834) e bisavó de dom Pedro II (1825-1891). Foi por isso que nos tempos monárquicos os dois evitaram aludir a Tiradentes. Por remorso. Estragão: do francês estragon, estragão, com origem remota no árabe al-tarhun, escrito também tarkhoun, é uma erva aromática muito usada na culinária. Quem identificou a planta no latim botânico preferiu escrever tarchon. O médico francês Jean Liebaut (1535-1596) e François Rabelais (1483?-1553), frade e escritor, autor de Gargântua e Pantagruel, que também usou o pseudônimo Alcofribas Nasier, escreviam targon. As folhas do estragão dão à comida um sabor picante. Magazine: do árabe makhâzan, despensa, armazém, pelo francês magasin, que deu magazzino em italiano, magazine no inglês e magazine no português, designando casa comercial onde são vendidos artigos de vários gêneros. O étimo árabe está presente também em armazém, originalmente al-mahazan, o depósito, mas o "l" mudou para "r" porque o lugar foi destinado, em tempos de guerra, a guardar as armas. Com a invenção da imprensa, periódicos passaram a ser denominados magazines também, guardando remotamente o significado de armazenamento, mas de informações. Pronome: do latim pronomen, pró nome, em lugar do nome. A língua portuguesa tem grande variedade de pronomes (demonstrativos, adjetivos, substantivos, indefinidos e outros), mas entre os mais complexos estão os de tratamento, de que são exemplos fulano, beltrano, sicrano, a gente, homem, você, Vossa Mercê, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Majestade. Por desconhecê-los (e a suas abreviações), redatores de bancos e lojas às vezes mandam cartas aos correntistas tratandoos por Vossa Santidade (V.S.), em vez de Vossa Senhoria (V.Sa.), trocando as formas abreviadas. Acontece até de grafarem V.A., abreviação de Vossa Alteza, tratamento dispensado a príncipes, arquiduques e duques. Esses tratamentos evidenciam uma espécie de xibolete (algo como uma marca registrada) da língua portuguesa, quando comparado ao inglês dos Estados Unidos, onde até os presidentes da Suprema Corte ou do país podem ser chamados de you, ou seja, você ou tu.
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