...Ainda assim, ao transpor obras de uma língua para outra, às vezes o tradutor, do latim traducere, transportar, tem dificuldade para achar expressões que equivalham às utilizadas no original.
Conto: do latim
computus, cômputo, conta. Passou a designar a história curta porque o verbo latino
computare, contar, tem também o sentido de ordenar a narrativa em unidades, pondo em relevo os detalhes. O latim contus, do grego
kontós, tem outro sentido. Designa ponta de vara ou lança. Quando surgiu, na Idade Média, na Itália, o conto recebeu o nome de
racconto, de
raccontare, contar de novo. O prefixo "ra" em italiano equivale ao "re" em português, indicando repetição. É que muitas dessas narrativas se consolidaram primeiramente na oralidade e só depois passaram a ser escritas. Foram grandes contistas o italiano
Giovanni Boccaccio (1313-1375), a neozelandesa
Katherine Mansfield (1888-1923) e o russo
Anton Chekhov (1860-1904). Entre os brasileiros, destacam-se
Machado de Assis (1839-1908),
Clarice Lispector (1920-1977) e
Rubem Fonseca (82), além de muitos outros. Inicialmente mais longo, o conto foi diminuindo de tamanho com o tempo. O guatemalteco
Augusto Monterroso (1921-2003) costuma ser citado como autor do menor conto já escrito:
"Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá". No Japão, surgiram contos curtíssimos, para serem lidos no celular. Em 2007, o jornal
Mainichi, um dos maiores do país, ofereceu prêmios para esse tipo de narrativa, já designada pelo neologismo de celuliteratura.
Dicionarista: de dicionário, do latim medieval
dictionarium, repertório de ditos, palavras, frases, pelo francês
dictionnaire, escrito dessa maneira a partir de 1539. No português, o primeiro registro de dicionário foi feito em Goa, na Índia, em 1563, no livro
Colóquios dos Simples e Drogas e Cousas Medicinais da Índia, de
Garcia D'Orta (1501-1568). No Brasil, por um viés machista, são lembrados muito mais os dicionaristas do que as dicionaristas, como
Marina Moerbeck Baird Ferreira (87), que durante décadas foi assistente do marido,
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1910-1989). Poliglota, Marina traduziu muitos filmes. A respeito de nossa língua, ela disse:
"A língua portuguesa muda a todo instante. Muitas palavras surgem, outras caem em desuso, desaparecem. Mas palavras não morrem. Até perdem o uso, mas continuam guardadas. O dicionário faz com que elas existam". Conta a lenda que o célebre dicionarista inglês
Noah Webster (1758-1843), flagrado com a secretária, teria ouvido de sua esposa:
"Noah, estou surpreendida". Sem poder negar a evidência, o filólogo teria replicado, didático:
"Quem foi supreendido fui eu; você está espantada".
Rã: do latim
rana, rã, anfíbio que habita banhados e charcos, freqüentemente confundida com o sapo. Uma nova espécie de rã foi recentemente descoberta no Brasil pela equipe do biólogo
Ariovaldo Giaretta (41), da Universidade Federal de Uberlândia (MG). Os pesquisadores deram ao batráquio o nome de
penaxavantinho, em homenagem à dupla sertaneja
Pena Branca (68) e
Xavantinho (1942-1999). Como o bicho pertence ao gênero
Ischnocnema, chamou-se
Ischnocnema penaxavantinho. O próprio Giaretta misturou rã e sapo ao explicar a homenagem:
"É de esperar que todo sapo cante. Eles são cantores também e até já falaram de sapo em suas músicas". É verdade. Eis os versos da canção
Papo Furado: "Amigo peço desculpas, se não for do seu agrado/ Eu vou contar o que vi, um dia desse passado/ Fui pescar numa lagoa, e eu fiquei admirado/ Vi dois sapos discutindo, veja só o resultado".
Tradutor: do latim
traductorem, acusativo de
traductor, de
traducere, transportar, trazer, levar. O tradutor traz para sua língua o que o escritor escreveu na dele e às vezes enfrenta dificuldades, pois há palavras e expressões sem similar em outras línguas. Isso sem falar nas questões de estilo. Em razão das constantes infidelidades ao original, os italianos criaram o trocadilho
traduttore/ traditore (tradutor/traidor). Um bom exemplo das diferenças entre original e traduções é o do romance de
Emily Brontë (1818-1848)
Wuthering Heights, ou
O Morro do Vento Uivante, título dado à primeira versão brasileira, de
Rachel de Queiroz (1910-2003), depois mudado para o plural (ventos uivantes) pela editora. O pesquisador
Gabriel Perissé (46) comparou as várias traduções para o português e encontrou, para a primeira frase do capítulo 4
("What vain weathercocks we are!"), estas opções:
"Que frívolos cata-ventos somos nós!";
"Que vaidosos cata-ventos nós somos!";
"Como somos volúveis!";
"Que cata-ventos presunçosos somos!";
"Quão inúteis e volúveis nós somos!" Levada ao cinema por
Luis Buñuel (1900-1983), a história chamou-se
Abismos de Pasión - no Brasil,
Escravos do Rancor.