Na mentira, tenta-se conciliar, sem sucesso, o amor com a liberdade

por Paulo Sternick* Publicado em 22/03/2010, às 15h21 - Atualizado às 15h22

Na mentira, tenta-se conciliar, sem sucesso, o amor com a liberdade -
Certa vez o psicanalista inglês W.R. Bion (1897-1979) indagou se era possível analisar um mentiroso, um dilema que diz respeito também ao amor: é viável relacionar-se com uma pessoa que derrapa nas curvas da mentira? Ora, se na Psicanálise o objetivo é desvendar a personalidade, como fazê-lo se o paciente escapole sorrateiramente na dissimulação? Igual reflexão se aplica ao amor, que deita raízes (além da cama) numa ética a dois, na confiança recíproca, incompatível com a prática do disfarce e da hipocrisia. Por isso, cabe indagar: o amor a uma pessoa mentirosa, ou entre duas pessoas mentirosas, é realmente amor ou uma impostura? A lealdade do parceiro é uma das mais profundas aspirações humanas: ela legitima o sentimento. E quando se fala de mentira no amor, embora muitos só se lembrem da traição amorosa e da sexual, estas não são as únicas. Mesmo companheiros fiéis, uma vez flagrados na mentira em outros aspectos da vida, passam a despertar desconfiança. Está certa a antiga máxima: não adianta ser fiel, é preciso parecer fiel. Você sabe discernir entre fidelidade e lealdade: a segunda não implica na primeira, mas sim na ética para com o outro, no exercício do compromisso de não deixar de lhe insinuar a verdade, para que saiba o que pode ou não esperar. É diferente conviver com uma pessoa mentirosa quando se tem consciência disso e quando não se tem. No primeiro caso, é constante a dúvida sobre se o outro fala a verdade, desconfia-se até em momentos equivocados. A relação torna-se um transtorno, quase uma tortura. Já quando não tem consciência de que o companheiro é mentiroso, a pessoa é tomada por uma sensação difusa de estar sendo manipulada e enganada. Pode se deprimir ou adoecer, sendo este o preço inconsciente que paga por não admitir sua dúvida ou não checar sua desconfiança. O assunto é ainda mais complexo, pois nem sempre quem mente o faz apenas para o outro, mas também para si mesmo. O filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) dizia que a Psicanálise substituiu a noção de má-fé pela ideia de uma mentira sem mentiroso, permitindo compreender que uma pessoa pode ser vítima da própria mentira inconsciente, sendo, ao mesmo tempo, o enganador e o enganado. A ideia é traduzida na conhecida expressão "ser traído por si mesmo". Mas não dá para eximir-se de culpa ainda que um engano seja de origem inconsciente: somos responsáveis por nós como um todo. A verdade é que temos irresistível vocação para mentir, arrumar a realidade, dourar a própria pílula, esconder o desejo para ficar livre da censura e do julgamento alheio. A mentira é o disfarce que tanto os homens quanto as mulheres adotam para garantir o desejo egoísta e ficar sãos e salvos, sem consideração pelo outro, especialmente na amizade e no amor. Essa tendência começa durante a infância e pode perpetuar-se na vida adulta, produzindo, no limite, o mau-caráter. O poeta inglês John Keats (1795-1821) dizia: "A Beleza é Verdade, a Verdade Beleza - isto é tudo/ O que sabeis na terra, e tudo o que deveis saber!" Formulação estética e romântica que se depara, no outro extremo, com cínico e inquietante contraponto do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), para quem só falamos a verdade com receio de sermos prejudicados pela mentira.
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