...não continha as expressões "lábaro estrelado" e "impávido colosso", nem tampouco a cacofonia, do grego kakophonía, som desagradável, do verso no qual "heróico brado" soa como "herói cobrado".
Anástrofe: do grego
anastrophe, deslocamento, inversão, junção de
ana, inversão, e
strophe, estrofe, grupo de versos com rimas parecidas. Anástrofe é, portanto, a inversão da ordem natural entre duas palavras numa estrofe, o que às vezes cria dificuldade de entendimento, como no começo do
Hino Nacional brasileiro: "
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas/ De um povo heróico o brado retumbante,/ E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,/ Brilhou no céu da Pátria nesse instante". Sem anástrofe, o trecho ficaria assim: "As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico, e o sol da liberdade brilhou em raios fúlgidos no céu da pátria nesse instante".
Cacofonia: do grego
kakophonía, som desagradável, com influência do francês
cacophonie. Cacófato, do latim
cacophaton, tem significado semelhante. No cacófato, o som, além de desagradável, às vezes é obsceno, pela junção da última sílaba de uma palavra com a primeira da que lhe segue, como nesta frase sobre o belo canto de uma ave: "ela trina maviosamente". Soa "latrina". No grego, cacofonia formou-se de
kakós, feio, mau, e
phonía, fonia, som. O
Hino Nacional tem horrível cacófato logo no início: "
Heróico o brado" soa "
herói cobrado".
Florão: do italiano
fiorone, florão, de
fiore, flor, soando como aumentativo. O "florão da América" de que fala o
Hino Nacional quer dizer que o Brasil é ornamento do continente americano e que, por sua beleza, desempenha a função heráldica, enfeitando a coleção de países que o cercam, como a flor que, impressa nos livros ou esculpida nos brasões, adorna aqueles símbolos. Mas não foi o autor do hino,
Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927), quem perpetrou o cacófato "o heróico brado", ou escreveu a palavra florão - ele teria escrito jóia. Tampouco são dele as expressões "impávido colosso", "de teu solo és mãe gentil" e "lábaro estrelado", que substituíram, respectivamente, "grande colosso", "de teu flanco é mãe gentil" e "pavilhão estrelado". O original, manuscrito, pode ser consultado na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.
Hinário: do latim tardio
hymnarium, hinário, coleção de hinos, em geral religiosos, mas que com o tempo passou a incluir também canções cívicas e patrióticas. Originalmente, os hinos proclamavam deuses ou heróis. Compostos para serem cantados sobretudo por pessoas sem instrução tinham rimas e metrificação simples. O objetivo era memorizar a letra. Nos hinos brasileiros, porém, faltou a preocupação com a clareza, o que dificulta a memorização. Na verdade, a música do
Hino Nacional de
Francisco Manuel da Silva (1795-1865) já era tocada quase um século antes de receber a letra que conhecemos. Foi composta em 1822 para celebrar a Independência. Antes da letra atual, a música recebeu diversas outras, sendo chamada
Hino do Império, Hino 7 de Abril, Hino da Proclamação da República. Os versos definitivos, de Duque Estrada, compostos em 1909, foram oficializados em 1922, por decreto do presidente
Epitácio Pessoa (1865-1942). A primeira gravação, entretanto, tinha sido feita em 1901, na Alemanha, pela Banda Municipal Militar de Londres. Um pouco antes, em 1890, havia sido publicado no
Diário Oficial o Hino à Proclamação da República, com letra de
Medeiros e Albuquerque (1867-1934), que celebrava, já naquela época, a memória curta dos brasileiros: "
Nós nem cremos que escravos outrora,/ Tenha havido em tão nobre país,/ Hoje o rubro lampejo da aurora,/Acha irmãos, não tiranos hostis". Escravos tinham existido até 1888, apenas dois anos antes! E o imperador que a República derrubara poderia ser tudo, menos um tirano hostil.
Original: do latim
originale, original, palavra ligada ao verbo
orire, levantar-se. A mesma raiz aparece em
oriente, declinação de
oriens, onde o sol se levanta; em
ortus, nascido, e no antônimo
abortus, aborto, que não nasceu. No sentido literário, denomina-se original o texto que o autor escreveu e que serve de base para publicação. No conto
Brás, Bexiga e Barra Funda, do escritor
Antônio de Alcântara Machado (1901-1935), soldados cantam a versão original de nosso
Hino Nacional: "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas/ Da independência o brado retumbante".
Salve: do latim
salve, segunda pessoa do imperativo do verbo
salvere, passar bem, ter saúde, que no latim tardio produziu a variante
salvare, salvar. A palavra transformou-se em saudação, equivalente a ave, como se vê em orações católicas como a
Salve-Rainha. Está também nos versos iniciais do
Hino à Bandeira, com letra de
Olavo Bilac (1865-1918): "
Salve lindo pendão da esperança!/ Salve, símbolo augusto da paz!"