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Odilon Wagner critica falta de espaço para atores mais velhos: 'É engano querer manter personagens jovens'

Em entrevista exclusiva, Odilon Wagner reforça a importância de criar papeis mais maduros na teledramaturgia e fala sobre a experiência de dirigir grandes atores na pela A Última Sessão, que reestreia nesta sexta-feira, 27

Renan Botelho Publicado em 27/03/2015, às 15h26 - Atualizado em 30/07/2020, às 13h04

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Odilon Wagner - Caio Guimarães
Odilon Wagner - Caio Guimarães

Há mais de uma década, Odilon Wagner teve a ideia de reunir grandes astros do teatro brasileiro no palco. A vontade foi ganhando força dentro dele até que se tornou realidade com a peça A Última Sessão, escrita e dirigida por ele.  "Há muito tempo a gente não via uma coleção de atores tão maravilhosos juntos no palco. É uma homenagem aos desbravadores do teatro brasileiro", diz Odilon à CARAS Digital. "Depois eu quis falar sobre o amor na maturidade e quebrar esse paradigma de maturidade com velhice”, explica.

Nesta sexta-feira, 27, o espetáculo estreia uma nova temporada no Teatro Raul Cortez, em São Paulo, com Laura Cardoso, Nívea Maria, Etty Fraser, Sylvio Zilber, Miriam Mehler, Gésio Amadeu, Sonia Guedes, Gabriela Rabelo, Yunes Chami e Marlene Collé. Juntos, eles somam mais de 570 anos de carreira. Não é à toa que Odilon se orgulha do sucesso de A Última Sessão.

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Como é trabalhar com um grupo de atores na terceira idade?

A gente tem recebido muitos atores e jovens em geral que assistem ao espetáculo e ficam encantados com a energia, com a vibração que esses atores têm. A equipe técnica é toda formada por pessoas mais jovens. Eu fiz isso propositalmente para promover esse encontro de gerações. E uma coisa que eles ficaram muito impressionados foi com a disciplina deles e a garra pelo trabalho. Quando falavam ‘vamos ensaiar’, a Laura Cardoso, que é a mais velha do elenco [ela tem 87 anos], era a primeira a levantar. E todos eles iam juntos. A grande experiência que os mais jovens podem tirar com eles é a disciplina, a entrega e a empolgação com o que se está fazendo.

E qual a sensação de reunir 570 anos de carreira no palco?

Foi um desafio que me propus desde o começo e fui atrás para resolver. Muita gente me disse que ia ser complicado e realmente foi. Mas a história é tão apaixonante que acho que isso também os apaixonou. Conseguimos montar um grupo que está junto há um ano, sem nenhum atrito, sem nenhum barulho, com harmonia total, e todos movidos pela paixão pelo teatro.

Por que falar sobre a maturidade?

Hoje costuma se retratar as pessoas mais velhas sempre como uma caricatura, da mesma forma que colocam o gay, o gordo... sempre fazendo uma caricatura. E é culpa dos próprios atores. Eu já vi atores velhinhos que iam representar um personagem até mais jovens que eles, mas eles começavam a falar com uma voz estereotipada. É a imagem da velhice que tem que ser mudada na nossa cabeça. A placa de trânsito para idoso é um velhinho com uma bengala, corcunda. Os velhos não são mais assim hoje. A Laura tem 87 anos e está inteira, é a mais entusiasmada no grupo. Ela não para. As pessoas com 80 anos estão casando, estão entrando em faculdade...

Você criticou uma vez a 'infantilização da dramaturgia'...

... É a 'juveniliazação do teatro'. A dramaturgia e a teledramaturgia estão ficando muito juvenis. Não existem mais papeis maduros.

E tem como reverter isso?

Acho que tem sim, são fases. Já tem coisa acontecendo para atores maduros, a Globo vai ter uma série que chama Os Experientes só com atores mais velhos. A coisa começa a vir e eu quero crer que eu tenha colaborado para que isso acontecesse, para que a dramaturgia preste mais atenção aos papeis mais maduros e não só aos papeis adolescentes. A média de idade hoje em dia é de 30 anos na televisão. Você vê uns fenômenos como uma mulher de 40 anos fazendo a mãe de uma mulher de 38. Por quê? Por que não coloca uma mulher de 60 anos? Isso é para manter os atores mais jovens nos personagens, o que é um engano. O carisma que os atores mais velhos tem... pode esquecer, não tem igual. A peça é aplaudida em cena aberta inúmeras vezes, desde o momento em que a cortina abre. E no final é uma ovação. Eles têm um carisma que é inigualável, que vem da experiência, das histórias de vida.

Existe uma eterna discussão sobre os jovens terem perdido o interesse no teatro. Como você acha que seria possível recuperar este interesse?

Olha, é uma pergunta difícil, mas não está só nas nossas mãos. Acho que a única forma de resgatar o jovem para as artes em geral é a educação. Enquanto não tiver arte no currículo escolar, não vai acontecer isso. O jovem normalmente vai para a música que é mais fácil, mas não vai para o teatro. Por isso que a gente briga para que tenha na educação a inserção do cinema, da dramaturgia no estudo da língua portuguesa. Por que não estudar a língua portuguesa com texto de teatro? Falam que os Estados Unidos não é um país culto, que é um país muito raso, só que lá todas as escolas de primeiro e segundo grau tem arte no seu currículo. Todo colegial tem um teatro e montam espetáculos que se equiparam com as nossas profissionais aqui no Brasil. Um jogo de basquete no colégio americano tem uma banda que toca no meio do jogo - são estudantes já inseridos na arte. Até mesmo as cheerleaders... aquilo é dança, é coreografia. Por isso os teatros lá são lotados de segunda à domingo, porque tem formação de plateia. Se você não forma a plateia, não tem plateia.

Você disse uma vez que não teve crise da idade e que se tornou mais feliz depois dos 40. Qual foi o segredo para pular a crise?

... É, eu só consegui viver um grau de realização maior depois dos 40, mas o ator é isso que você vê na peça: é igual vinho. Você pega a Laura e fica embasbacado com ela em cena. Você fica fascinado porque cada vez é uma surpresa, cada vez é uma nova aula. A gente vai melhorando. Isso tem a ver com a vida  e se você aceita envelhecer. Se você não se aceita, você tem crise com os 30.

Serviço – A Última Sessão
Em São Paulo: a partir do dia 28/03, no Teatro Raulo Cortez, sextas, sábados e domingos.