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Especial Dia da Mulher: Como o feminismo se tornou um importante debate dentro do Big Brother Brasil

Ex-BBBs Marcela McGowan e Hana Khalil refletem sobre como a pauta feminista ganhou força dentro do reality mais assistido do Brasil

Deborah Kövesi e Isabela Thurmann Publicado em 08/03/2021, às 08h30 - Atualizado em 09/03/2021, às 11h11

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Especial Dia da Mulher: a evolução da pauta feminista no BBB - Reprodução/Instagram
Especial Dia da Mulher: a evolução da pauta feminista no BBB - Reprodução/Instagram

No ar desde o ano de 2002, O Big Brother Brasil ocupa o importante posto de reality show mais assistido do país. Além de ter se tornado parte do cotidiano de muitos brasileiros, o programa vem acompanhando a quebra de diversos paradigmas, à medida que a mentalidade do público e dos próprios participantes se transforma.

Anteriormente tratado com mais distanciamento e até mesmo certo preconceito, o feminismo é um grande exemplo de uma pauta que acabou ganhando espaço no reality com o passar dos anos, ressignificando diversas condutas e até mesmo o olhar do telespectador sobre os competidores.

Muito disso pôde ser visto na vigésima edição do programa, na qual, a medida que as câmeras iam revelando o comportamento considerado machista vindo de alguns dos brothers do sexo masculino, o movimento em prol das mulheres acabou se tornando uma discussão relevante e extremamente necessária para o andamento do jogo.

“Eles colocaram várias mulheres já engajadas na causa, e também os próprios acontecimentos nas primeiras semanas acabaram levantando a discussão”, revelou médica ginecologista Marcela McGowan, participante do BBB20, ao ser questionada sobre como o assunto veio à tona em sua edição.  

Por outro lado, Hana Khalil, integrante do elenco do BBB19, já apresentou um ponto de vista diferente sobre a forma com a qual a pauta era enfrentada no ano em que participou do programa. “Ali no confinamento o que enfrentei muito foi a percepção que as pessoas têm de uma mulher que tem um espírito de autoridade, que fala de um jeito mais incisivo, minha voz é grossa, meu jeito de falar é mais agressivo, porque eu gosto de falar de um jeito mais impactante. Quando nós vemos homens fazendo essas mesmas coisas, ninguém se choca, a não ser que seja um homem preto, porque aí tem toda a questão racial”, colocou. “As maiores resistências foram os próprios homens e algumas mulheres que reproduziam esse repudio a qualquer coisa advinda da questão feminista. Muitas pessoas escutavam o que eu falava e falava mal pelas minhas costas, parecia um medo”.

Apesar de ter tido suas ideias acatadas por uma parcela significativa do público e abraçadas pela maioria das participantes, Marcela também falou sobre algumas das resistências que encontrou dentro da casa: “Eu senti que alguns dos meninos ficaram incomodados quando eu disse que priorizaria as mulheres,e também depois de tudo que aconteceu fiquei com que sensação que algumas pessoas achavam que era ‘exagero’”, contou. “Percebi como para os homens ainda é muito difícil compreender essas questões, como parece exagero ou 'loucura' da nossa parte”, pontuou a loira, que, dentro da casa, viveu um romance com Daniel Lenhardt.

Ao ingressarem no programa como mulheres que já abordavam com naturalidade a pauta feminista, Hana e Marcela tiveram de lidar com a expectativa das possíveis reações do público em relação às suas ideias. “Antes de entrar eu tinha pensado muito sobre ‘não militar’, sobre ficar na minha e evitar esses assuntos, justamente porque sabia como no mundo real isso nem sempre é aceito, então, quando tudo acontece, pensei: ‘vou se taxada de feminista chata e eliminada, mas paciência né?’", relatou a ginecologista.

Hana, a youtuber formada em cinema, também contou sobre sua experiência, expondo um pouco das circunstâncias de sua entrada no programa: “Quando eu entrei no BBB, eu era muito novinha, tinha 22 anos e agora tenho 25 anos. Só se passaram 3 anos, mas pra mim se passaram 30, pode parecer muito bobo e precoce eu falar uma coisa dessas de que eu era outra pessoa”, contou. “Quando eu entrei no BBB eu tinha um frescor com os movimentos, eu era muito deslumbrada. Circunstâncias que me fizeram pensar que eu posso tudo, que o poder que me foi dado eu posso usar contra quem me criou desse jeito, aos homens que danificaram a cabeça de várias mulheres à minha volta. Esse lugar de lutar por tudo, é um lugar de mulher branca privilegiada. Eu me vi muito nesse lugar e ainda me vejo”.

Ainda sobre este assunto, a morena abordou a questão da expectativa do público estar muito atrelado à pressão colocada sobre o papel de uma mulher que decide ingressar em um reality como o BBB, que é apresentado por Tiago Leifert: “As pessoas não estão acostumadas com essa imagem de uma mulher de espírito de liderança. Uma mulher agressiva é um homem normal e confiante, uma mulher incisiva, grossa, neurótica e histérica é um homem com espírito de liderança, batalhador. A mulher batalhadora tem que ter outras características, que a reconhecem como mulher forte, como líder. Ela sempre tem que carregar coisas do patriarcado, ela sempre tem que entender todo mundo, tem que ser meio mãe de todo mundo, tem que resolver os próprios problemas e o problema de todo mundo”, pontuou, apontando inclusive para questões atreladas à estética da mulher.

“A primeira qualidade que a gente acha que uma mulher gostaria de ouvir é ‘você é linda’, a gente sempre resume a mulher a um objeto de beleza e não como ela se sente bem em ser, como ela se sente confortável e bonita. Se ela se sente confortável e bonita de uma forma, a gente acha ela confortável e bonita? Não? A gente não acha. As pessoas gostariam de me ver pirando, cuidando da minha aparência, elas gostam de ver um feminismo liberal, girl power, mais light e não uma coisa muito profunda. Essas questões da familiaridade, como a gente olha para uma mulher que tem suas próprias convicções fortes demais, a gente não tem espaço para entender essas próprias mulheres”, disse.

Assim como o Big Brother Brasil é moldado pela mentalidade e personalidade de seus participantes e de seu público, a experiência de estar na casa mais vigiada do país também transforma os confinados. “Meu processo de entender o feminismo era muito recente, e eu acho que estava engatinhando em muitas questões, o BBB me ajudou demais a olhar mais amplamente pra causa, me motivou a estudar, entender outras vertentes. E é um processo contínuo né? Tem sempre o que aprender”, disse McGowan.

Para Khalil, a participação no reality também foi extremamente transformadora: “A minha participação no BBB transformou muito meu feminismo, pois eu pude lidar face a face com tudo aquilo que eu teorizei e estudei, me identifiquei com o movimento de ser mulher, de ter nascido sob o comando do patriarcado. Ter vivenciado todas essas coisas foi muito importante. O BBB mudou minha percepção a partir de que lugar eu ia falar isso, o meu discurso, a minha abordagem sabendo como é o público brasileiro, quais questões as pessoas enfrentam sobre a desinformação dos movimentos sociais, não só sobre o feminismo. Porque falar de feminismo sozinho sendo uma mulher branca é uma questão muito delicada”, constatou.

“Hoje  todas essas questões ficaram muito mais explícitas na minha cabeça. A forma com a qual as pessoas podem escutar isso melhor, como que elas podem aprender isso de fato, eu acho que é um longo caminho! o buraco é muito mais embaixo do que eu pensava. A partir daí eu pude entender que as coisas precisam ser pautadas de forma mais estratégica é definida. Porque às vezes a gente fala uma palavra é uma coisa que as pessoas entendem, a gente esquece que a gente vive em um país que rola muita desinformação e muita mentira. Sim, me transformou de dentro pra fora com certeza absoluta”, pontuou ainda a profissional de audiovisual.

O enorme alcance do programa faz com que os debates que surgem dentro da casa se tornem uma grande ferramenta de conscientização do público ao agregarem pautas de extrema relevância social no cotidiano de milhões de brasileiros. “O Brasil é um país que consome muito reality show. Eu acho que a gente pode falar desses assuntos de um jeito menos lúdico e fictício, eu amo os outros jeitos que a gente tem de educar, eu acho que vendo na prática, na realidade, um exemplo fica muito mais ilustrado como são esses problemas. Acho que o BBB é uma ferramenta incrível para fazer essa mudança acontecer. Não é uma ferramenta de transformação, mas é uma ferramenta de conscientização. Pelo BBB as pessoas estão ouvindo e entrando em contato com diversos termos, não tem como fugir da realidade, não tem como manipular. É muito importante, sim”, afirmou Hana.

Marcela também reconhece este processo ao compreender que o reality acaba rompendo importantes barreiras: “Rompe a bolha da internet, e acaba levando esses temas pra dentro da casa de pessoas que talvez jamais ouviriam sobre o assunto”, disse.

A partir da compreensão deste importante papel, Hana fez questão de deixar claro que a discussão do feminismo vai além do que é visto na tela, entretanto, apontou para o fato de que o programa, enquanto produto que reflete a mentalidade de um grande público, já exemplificou graves condutas machistas, sem que houvesse incômodo dos telespectadores. “O debate do feminismo, não é só sobre equidade e salários iguais, mas sim sobre diferenças políticas e institucionais, que impedem que a mulher seja vista em determinados lugares. Muitos homens machistas ganharam o BBB, conquistam lugares incríveis. Na maioria dos casos, homens brancos, sendo extremamente  machistas e misóginos o tempo todo. Muitos não conseguem jogar sem colocar o machismo em prática, isso prova que não é só o jogo. Torna isso institucionalizado”, colocou.

Apesar de todo o tabu que cerca o feminismo enquanto movimento de aprimoramento e ampliação do papel e dos direitos das mulheres na sociedade, o BBB acabou se tornando um perfeito exemplo de como estas pautas tem lugar no cotidiano de todos.

A partir da convivência dos participantes, o reality estimula debates necessários e extremamente coerentes. No decorrer do jogo, os brothers e sisters trocam vivências, conhecimentos e convicções divergentes, despertando de uma forma natural o questionamento do público sobre situações comuns à vida de grande parte dos brasileiros.

Se o feminismo aparece até mesmo em um jogo onde o objetivo é conquistar o público sendo você mesmo, quem poderia dizer o contrário?