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Ilustração na moda

Entre designers e costureiras, designers e consumidores, o desenho nunca é um item supérfluo. E tem sido assim há mais de quatrocentos anos.

Redação Publicado em 29/06/2012, às 17h53 - Atualizado em 18/02/2013, às 06h47

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Ilustração em aquarela e guache do backstage do defile de 2005, de Valentino, feita por David Downton. - David Downton/Divulgação
Ilustração em aquarela e guache do backstage do defile de 2005, de Valentino, feita por David Downton. - David Downton/Divulgação

Chega a ser curioso perceber que o tempo que viu nascer programas digitais de edição de imagens também assista a uma revitalização da ilustração de moda tradicional. “Estamos tão cheios de imagens fotográficas que a ilustração parece ganhar cada vez mais força”, diz o ilustrador inglês David Downton. “Hoje, em parte graças ao iPhone, todo mundo pensa que pode ser fotógrafo. E apesar do desenho ser anterior à fotografia em séculos, agora acredito que ele pareça mais ponderado e, de uma forma até um pouco estranha, mais moderno”, completa o artista. Ele diz isso porque as origens da ilustração de moda remontam ao final do século 16, pouco depois do Brasil ter sido descoberto e cerca de duzentos anos antes da Revolução Francesa.

Durante esses mais de quatro séculos, a ilustração de moda nunca desapareceu e, segundo William Ling, diretor da Fashion Illustration Gallery, em Londres, isso jamais acontecerá. Para ele, o que ocorre hoje é que ela é mais percebida. “As revistas são mais lentas, porque muitos anunciantes ainda preferem ver seus produtos fotografados nos editoriais, mas blogueiros amam usá-las”, diz Ling. “Depois de um período de ouro com René Gruau, Carl Erickson e René Bouché, essa chama foi mantida acesa por Andy Warhol, AntonioLopez, Mats Gustafsson, François Berthoud e, agora, por David Downton, Tanya Ling e Hiroshi Tanabe”, completa.

Desde que o mundo ouviu, em 1826, pela primeira vez, o clique de uma máquina fotográfica, uma nova personagem entrou nessa história. Fotografia e ilustração, disciplinas diferentes, mas ambas formas de comunicação, passaram a disputar espaço em editoriais e anúncios. E mesmo que os primeiros fotógrafos de moda do final do século 19 estivessem ligados a movimentos artísticos que tentavam recriar a aparência das pinturas, houve uma gradual substituição dos desenhos pelas fotos. A partir dos anos 1950, a ilustração de moda lutou para sobreviver. O renascimento veio nas décadas de 1980 e 1990, quando campanhas publicitárias como a da luxuosa loja de departamentos Barneys, em Nova York, feita pelo ilustrador Jean-Philippe Delhomme, e revistas como a Vanity e a Visionaire foram lançadas.

A ilustração de moda como a entendemos hoje surgiu no século 16, quando o interesse pelas vestimentas cresceu e apareceram centenas de gravuras com figuras que retratavam trajes típicos de diversos países e classes sociais. O livro De gli habiti antichi et moderni di diverse parti del mondo, uma espécie de tratado sobre as roupas antigas e modernas de diferentes partes do mundo, publicado em 1590 pelo italiano Cesare Vecellio, é um dos exemplares mais relevantes. Mas é claro que já se desenhava roupas antes, a diferença é que agora o foco eram elas. Quando em meados do século 17, na França, as primeiras revistas de moda apareceram, as ilustrações eram legendadas e havia até guias de serviços, como na Le Mercure Galant, de 1672.

Em 1908, o francês Paul Poiret foi o primeiro estilista a chamar um artista para ilustrar um álbum com sua coleção de alta-costura para aquele ano. O escolhido foi seu compatriota Paul Iribe e a campanha recebeu o nome de Les Robes de Paul Poiret. Nas ilustrações, fundos discretos, adereços modestos e atenção concentrada nas cores vibrantes das figuras ousadamente agrupadas. Três anos mais tarde, Poiret reuniu moda e arte mais uma vez no traço de Georges Lepape nas páginas do Les Choses de Paul Poiret. Nessa mesma época, durante as primeiras décadas de 1900, várias revistas de moda foram criadas, sendo a mais relevante a Gazette du Bon Ton, fundada por Lucien Vogel em 1912. Vogel se juntou às sete maiores maisons da época, entre elas o próprio Poiret, Lanvin e Worth, e contratou jovens ilustradores. Com total liberdade para reinterpretar a moda, eles marcaram uma colaboração única entre artistas, costureiros e editores.

Nos anos 1930, a admiração de Condé Nast, fundador da editora homônima, pela Gazette fez com ele investisse pesado em ilustrações nas páginas de suas revistas. Ilustradores como Pierre Brissaud e George Barbier trabalhavam tanto para a Gazette quanto para a Vogue. Um novo padrão de realismo na ilustração de moda, urbano e sofisticado, foi criado pelo americano Carl Erickson, mais conhecido como Eric, e pelo francês René Bouet-Willaumez. Outros artistas que emergiram nesse período, como René Gruau e René Bouché, dominaram a década seguinte com trabalhos que refletiam um glamour ainda hoje desejado. É o caso da campanha do perfume Miss Dior que Gruau fez em 1947, quando Christian Dior lançou o New Look, uma coleção ultrafeminina que celebrava o fim da Segunda Guerra.

Porém, na mídia, a balança já pendia para as reportagens fotográficas. Em 1932, a Vogue americana publicou a primeira foto colorida, de Edward Steichen, em sua capa. Quatro anos depois, uma pesquisa de Nast mostrou que as revistas com capas de fotografia vendiam melhor. Mas se na imprensa a ilustração ficou restrita às páginas internas, na moda ela nunca perdeu espaço. “Enquanto uma coleção ou projeto não são realizados, a ilustração ou o esboço são as únicas formas de registro e comunicação”, diz Mat­thijs Boelee, diretor do curso de Design de Moda do Institute of the Arts Arnhem, na Holanda. A relação entre desenho e moda é tão estreita que muitos estilistas são também ilustradores, como Karl Lagerfeld e Alber Elbaz, e outros tantos têm seu primeiro contato com o universo fashion por meio dela.

O brasileiro Marcio Alek sempre desenhou bem. Quando estudava estilismo de moda em Paris, no Studio Berçot, eram seus desenhos que se destacavam. Daí para virar ilustrador profissional foi um pulo. Trabalhou com John Galliano e cuidava de todos os grafismos, do croqui à estamparia, no ateliê de Ocimar Versolato. Hoje dá aulas e faz ilustrações para revistas e campanhas publicitárias. “O desenho é a linguagem falada por todo mundo, em todas as línguas”, diz Alek. E tanto isso é verdade que quando era adolescente, a ilustradora Nice Lopes criava as próprias roupas e entregava os desenhos a uma vizinha costureira que os decifrava e dava vida a eles. Formada em Publicidade, foi apenas em 2005 que Nice passou a desenhar profissionalmente, ilustrando revistas e livros e criando estampas para marcas como Bicho Comeu e Banca das Camisetas.

O gosto pelo universo fashion transparece no papel. “Por ter um grande interesse em moda, isso se reflete nas minhas ilustrações, sejam elas para uma campanha de absorvente ou para um editorial sobre comportamento”, afirma a ilustradora e designer Fernanda Guedes. Mais ou menos o mesmo acontece com David Downton que, entre seus trabalhos recentes, fez um editorial para a revista chinesa Rouge, ilustrações para o site Net-a-Porter, o anúncio de um perfume de Oscar de la Renta e a cobertura das semanas de moda de Londres e Paris para o site da Vogue inglesa. “Já fiz de tudo, de livros de receita a romances ficcionais, rótulos de vinhos e até manual de sexo”, conta ele. Mas, por causa do seu estilo figurativo e gestual, sempre foi chamado para trabalhos de moda. Para ele, entender do assunto não é fundamental. “Um ilustrador é, essencialmente, um observador”, diz. Trata-se de absorver a criatividade de outra pessoa e reinterpretá-la. “Desafio qualquer um, interessado em moda ou não, a não se sentir inspirado por um desfile de Galliano ou Jean-Paul Gaultier e não se surpreender com Christian Lacroix. Eu respondo ao que eu vejo”, explica Downton.

O professor Matthijs Boelee define ilustração de moda como “a arte da omissão”. Assim como a fotografia, ela colore um momento histórico com todas as suas nuances políticas, econômicas e sociais. Nos anos 1950, quando vieram os beatniks, os rockers e os hippies, as drogas psicodélicas, a música pop, a mistura de cores e as influências étnicas, o então ilustrador comercial Andy Warhol eternizou em desenhos o estilo urbano baseado na Pop Art. Na década de 1970, o porto-riquenho Antonio Lopez fez uma série de desenhos para a Vogue britânica que ficaram conhecidos como as Biker Girls. Naquele tempo, em Londres, o movimento punk andava pelas ruas com calças justas, slogans explícitos, moicanos e piercings. “Esse trabalho de Lopez só poderia ter sido feito nos anos 1970 e reflete alguma coisa da atmosfera e dos valores daquela época”, diz Ling.

É justamente por causa dessa conexão com a realidade que tanto o desenho em si quanto o seu lugar nas artes e na mídia se transformaram muito a partir do século 20. O mundo começou a se mover bem mais rápido depois da Segunda Guerra Mundial, as informações globalizadas passaram a ser compartilhadas com mais frequência conforme a Europa se reconstruía e a tecnologia evoluiu depressa. “Nos anos 1960, uma nova realidade se impôs, porque havia uma guerra impopular (do Vietnã) que tirou as pessoas da era da propaganda e as levou para um duro e frio realismo”, diz o professor de Design de Moda Gene K. Lakin, do Pratt Institute, em Nova York. “A vida não era mais uma ilusão, era vivida e documentada, fomos de uma estética idealizada para um brutal imediatismo que impactou todas as artes”. Assim, a ilustração seguiu um rumo mais comercial e a fotografia tornou-se aceita como fato. Mas essa divisão hoje é tênue. Elas se misturam de tal forma que é possível começar um trabalho com uma foto, usar o computador e terminá-lo à mão.

Uma boa ilustração de moda tem senso estético, o movimento e a leveza do tecido, as camadas, as estampas, a cor, cada detalhe, a estação e a construção. “Um ótimo ilustrador determina o melhor ângulo para não apenas mostrar as formas de uma silhueta, mas capitalizar em cima da ‘personalidade’ daquela peça”, diz Lakin. Todo ilustrador tem um estilo e um olhar que ninguém quer, ou precisa, que mudem.

A mágica é que se os dez maiores ilustradores de moda do mundo desenharem um mesmo vestido, o resultado será dez imagens diferentes, todas incríveis de acordo com a sensibilidade e a técnica de cada artista.

Por Camila Carvas

ccarvas@caras.com.br