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Decoração / Anuário

Karim Rashid: papa do design psicodélico

Karim Rashid transita do setor de calçados e eletrodomésticos a hotéis e lojas de altíssimo nível e é autor de mais de 3000 projetos para grandes marcas, como Melissa, Audi e Samsung. Leia a entrevista e veja a galeria de fotos!

Redação Publicado em 02/08/2010, às 13h37 - Atualizado em 09/08/2010, às 20h06

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Localizado na Filadélfia, o Morimoto foi o primeiro restaurante projetado por Karim Rashid,a decoração agradou tanto que rendeu diversos prêmios e trouxe muitos outros projetos de interior para o designer - Divulgação
Localizado na Filadélfia, o Morimoto foi o primeiro restaurante projetado por Karim Rashid,a decoração agradou tanto que rendeu diversos prêmios e trouxe muitos outros projetos de interior para o designer - Divulgação
Ele nasceu no Cairo. Filho de pai egípcio e mãe inglesa, morou na Itália, na Sérvia e no México. Hoje, é cidadão americano e vive em Nova Iorque, onde seu estúdio de designer já completou 20 anos. Karim Rashid é uma mistura de culturas que explode em cores e efeitos psicodélicos, suas marcas registradas. Ultra produtivo, tem mais três mil projetos espalhados pelo mundo, incluindo o Brasil, que transitam desde o setor de calçados até o de móveis, passando por hotéis e lojas de altíssimo nível. Seu design democrático já recebeu mais de 300 prêmios. E grandes marcas, como as nacionais Melissa e Brastemp e as internacionais Artemide, Magis, Audi, Samsung e Veuve Clicquot, são apenas alguns exemplos das parcerias que já fez. Incansável, Karim acredita que a criação está no seu sangue, confia numa formação pluralista, é contra a especialização e cria para embelezar e melhorar a vida das pessoas. "Não se trata de elitismo, mas do nosso cotidiano".Você nasceu no Cairo, Egito, e depois se mudou para o Canadá. Onde você morou lá? Por quanto tempo? Eu nasci no Cairo, mas fui para Roma e depois Londres com apenas um ano de idade. Cresci em Toronto, estudei em Milão depois da universidade e me mudei para Nova Iorque em 1991, onde eu tenho um estúdio há 20 anos. Mas também já morei em Belgrado, na Sérvia, e em Playa Del Carmen, no México. O que os seus pais faziam? Porque tantas mudanças? Meu pai era egípcio e minha mãe, inglesa. Por isso nos mudamos para lá quando eu tinha apenas um ano. Depois, fomos para o Canadá, porque meu pai arrumou um emprego como designer de cenários numa televisão publica canadense. Cresci com canetas, caderninhos de desenho, livros de arte, design, arquitetura, moda... E meus pais nos levavam para museus e galerias o tempo todo. Meu pai desenhou os móveis da nossa cama, vestidos para a minha mãe, cozinhava, fazia os nossos retratos, pintava quadros na nossa sala de jantar todas as noites... Sua criatividade não tinha fim. Isso foi nossa comida, nosso leite e nossa epifania. Como você passou a se interessa por design? De alguma forma, ele fez parte da sua infância? Eu estava no barco Queen Elizabeth com a minha família, indo de Londres para Montreal, quando eu tinha seis anos. Eles organizaram uma competição de desenho para cerca de 200 crianças. E eu decidi que poderia desenhar algumas malas já que eu era fascinado por ver meus pais colocando todos os nossos pertences em caixas de madeira e maletas. Naquele momento, eu percebi que poderia `desenhar minha própria mala", a minha proposta de "bagagem". Mas minha primeira lembrança de design foi quando eu vi a Expo 1967, em Montreal, aos sete anos. A segunda é da exposição "New domestic landscap" no MoMa, Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, quando eu tinha 12 anos. Lembro da sala cinza de Ettore Sottsass (designer italiano) e acredito que naquele dia eu poderia viver num quarto cinza, sem fronteiras, barreiras, com a mais completa liberdade para fazer e pensar o que quisesse. Depois, li o livro de Raymond Loewy (considerado o pai do desenho industrial) aos 14 anos e me tornei quase obsessivo em relação a Jean Arp (escultor e pintor surrealista), Constantin Brancusi (um dos pioneiros da escultura abstrata), Isamu Noguchi (arquiteto e designer japonês) e artes egípcia e romana antiga, pop arte, op art e outros tantos estilos e movimentos. Nos tempos da universidade, aos 19 anos, arrumei um emprego de meio período onde eu desenhava telefones. Nunca pensei que faria outra coisa que não design, arte ou música. Criação está no meio DNA. Quando você começou a trabalhar com design de interiores? O primeiro restaurante que eu desenhei for para o chef japonês Masaharu Morimoto, vencedor do Iron Chef de 2001, na Filadélfia. Esse projeto ganhou tantos prêmios e foi um lugar de tanto sucesso para Stephen Starr (restaurateur chefe do próprio Morimoto) que me trouxe muitos outros projetos de interior. Além do designer de interiores, você cria móveis? Eu comecei como designer industrial e depois enveredei para o designer de interiores. Mas sempre fui pluralista. Um dos meus dizeres favoritos é "não se especialize". Acredito em uma educação expandida, numa visão de mundo ampla e numa atitude plural para se construir um ambiente. Gosto muito da ideia da Warholian Factory (estúdio do pintor americano Andy Warhol), onde você cada artista podia fazer uma coisa diferente. Também gostei quando Warhol decidiu fazer um filme e fez. Ele não pensou 'eu não sou um cineasta, sou um ilustrador´. Por isso, eu prometi a mim mesmo que se um dia eu tivesse uma profissão, a manteria aberta e tocando todos os aspectos do nosso cotidiano e da nossa cultura. Muitas pessoas consideram o designer como um tipo de solução. Você planeja uma coisa, desenha, cria um modelo e, depois, esse produto trará algum tipo de benefício. Você concorda com isso? Absolutamente. Hoje em dia, especialmente, o design precisa mostrar que vale a pena e que pode construir coisas mais elevadas, que dão mais prazer, com mais qualidade e uma estética mais humanizada e sem remendos. O design tem que nos envolver - e tornar as coisas mais bonitas e melhores para a sociedade. Nesse sentido, o design nunca foi tão necessário. Nós temos que focar em como deixar o nosso mundo mais belo, sustentável, funcional e fluido. Como você aprendeu a desenhar essas coisas? Você estudou artes, desenho industrial ou arquitetura, por exemplo? Ou isso é algo natural, orgânico? Eu percebi qual seria a minha missão aos cinco anos, em Londres. Fui com o meu pai desenhar igrejas. Ele me ensinou a enxergar várias coisas. Aprendi perspectiva com aquela idade. E ele me mostrou que eu podia desenhar o que quisesse. Lembro-me de desenhar a fachada de uma catedral e não gostar do formado das janelas góticas. Então, eu as redesenhei como elipses. Aos seis anos, ganhei aquele concurso de desenho no barco, onde eu criei uma mala. Mas estudei desenho industrial na Carleton University, no Canadá. A maior dificuldade, na época, eram as matérias gerais, como sociologia, marketing, engenharia, arquitetura, semântica, história, filosofia e iconoclastia. Tudo aquilo parecia muito frustrante, porque eu realmente queria desenhar. Mas olhando para trás, eu aprendi que design não é apenas forma. É uma crítica cultural, uma fração da nossa vida social, política e econômica. Como eu estudei na Itália, antes da faculdade, Ettore Sottsass me ensinou a não ser "muito" artista. Trabalhar com Rodolfo Bonetto (designer), em Milão, me mostrou um objeto industrializado é uma manifestação de comportamento, de atitude. E Jan Kuypers (designer holandês), me ensinou como colaborar com grandes empresas e, ainda assim, fazer a diferença. Como é o seu processo criativo? Depois de um briefing com o cliente, pessoalmente ou via internet, eu não paro de pensar no projeto. O assunto ficar circulando pelos dois hemisférios do meu cérebro. Eu sonho com isso, observo, penso, pesquiso e rabisco loucamente. Preciso ter certeza de que consigo criar um casamento entre a minha visão e as minhas ideais com as da companhia. Mas, geralmente, as empresas com as quais eu trabalho tem uma filosofia bem parecida com a minha e é assim que a parceria realmente funciona. Depois de 25 anos desenhando, eu sei no mesmo minuto se acabei de conhecer um potencial cliente e se vamos ou não trabalhar bem. Se for a segunda opção, eu recuso o projeto. Qual parte de um projeto de design de interior você considera mais importante? As sensações são o mais importante. É o arrebatamento da experiência. Onde você encontra inspiração para os seus projetos? Você trabalha sozinho ou tem um time de designer que trabalha com e para você? Meu estúdio é enxuto. Apenas 15 pessoas, de todos os lugares do mundo, trabalham aqui. São designers de produtos, arquitetos, gráficos, cineastas, músicos... Um colegiado de disciplinas. I vejo, desenho e desenvolvo tudo com eles e garanto que todos sejam meus embaixadores. Muitos dos meus designers seniores e juniores começaram como estagiários. Qual é o maior objetivo de um projeto de design de interior muito bem feito? O que ele tem que ter? Os espaços devem ser suaves, curvilíneos, orgânicos e mais conceituais. É preciso agregar tecnologia, detalhes visuais, texturas, muitas cores... Tudo isso, claro, indo de encontro às necessidades intrínsecas para se viver de uma forma menos desordenada e em um ambiente mais sensual. Quartos arredondados, por exemplo, são mais "amigos". Beleza é quando não existe divisão do que é interior e exterior. Quando essas duas partes são inseparáveis, você tem harmonia. Quando vejo uma pintura abstrata do De Kooning (Willem de Kooning, pintor expressionista holandês), existe algo atrás da pele que é inseparável da superfície. Isso é belo. Acredito que os objetos não podem ser obstáculos em nossas vidas, mas um tipo de êxtase. De onde são os seus clientes? Existe algum país que está descobrindo a importância do designer - e o seu trabalho - agora? Hoje, tenho clientes em 30 países. Atualmente, tenho trabalhado mais com clientes escandinavos e americanos. É correto dizer que os designers deixaram uma condição de anonimato e adquiriram status de celebridade? Sempre foi meu objetivo transformar o design num assunto público. Se um atleta, um autor, um cineasta, um músico e outros profissionais da área de criação podem ser celebridades, por que os designers não? Em que direção caminha o design? Podemos falar de tendências? Design é revisitar e modernizar nossa cultura e meios físicos. Inovação é inseparável de design e design é inseparável de negócio, mercado. Não são tendências, não é a solução para um problema, não é apenas sobre forma e função. É progresso e evolução. Não é elitismo, é a nossa vida cotidiana. O que te deixa mais orgulhoso? Eu tento desenvolver objetos e espaços inspiradores, para que as pessoas possam se sentir verdadeiramente vivas por um momento. Desenho as coisas como relaxantes - objetos que tragam prazer e não dificuldades, que simplifiquem tarefas e aumentem o nosso nível de comprometimento e beleza. Desenho peças como uma experiência. Nossas vidas são elevadas quando experimentamos o belo, o confortável, o luxuoso, o eficiente e útil ao mesmo tempo. Esse entendimento mostra que o conteúdo tem um primeiro papel na beleza das coisas. Quadros, objetos, arte, arquitetura, ambientes... Tudo manifesta sua estética pelo conteúdo. O visual e a essência são um só. Alguma coisa bonita tem essência. Chamo isso de Design Holístico. De que forma a crise de 2008/2009 afetou os seus negócios? Alguma coisa mudou? O que você espera para 2010? Quanto os tempos são difíceis, a fantasia de Hollywood, vídeo games e outras formas de entretenimento explodem. Também acredito que o design nos traga fantasia, emoção, beleza, entretenimento. Portanto, o design pode florescer quando as pessoas precisam de uma válvula de escape, precisam estar bem com elas próprias, precisam cuidar das suas casas... O design pode ser uma crítica proposta aos nossos novos paradigmas sociais. Como é a sua relação com o mercado brasileiro? Já fui ao Brasil muitas vezes e tenho alguns clientes brasileiros. Tenho que dizer que o Brasil precisa mostrar para o mundo sua forte produção em massa, em grandes volumes de produtos baratos. O design deve cruzar fronteiras demográficas também (não sei se entendi muito bem). O Brasil tem uma longa tradição em criar para Brasileiros. Vocês precisam começar a sair do próprio país e desenhar para o mundo. Via Light é um bom exemplo disso. Acredito que o Brasil é um fantástico epicentro de cultura, arte, design... E o desejo por beleza e contemporaneidade é onipresente. Essa atmosfera tão vibrante, positiva e otimista é o ambiente perfeito para o design! Como você lida com as cópias? Descobrimos muita pirataria dos nossos produtos. E é uma coisa difícil de se lidar, porque os processos legais são muitos caros e qualquer pequena modificação no design original não pode ser considerado uma cópia. Li que você deu aulas na universidade. É verdade? Fui professor em período integral por dez anos na RISB, Universidade da Filadélfia e Universidade Pratt. Nos últimos quatro anos, fui professor associado de desenho industrial. Fui considerado um bom professor, porque eu incutira nos alunos o desenho de aprender, de entender sobre história, filosofia, marketing, comércio... Fazia com que eles sentissem paixão, vontade de pensar, de observar, o amor pela profissão. Você é conhecido pelos seus trabalhos coloridos, pelos aspectos psicodélicos. O que você quer mostrar? Cor é um dos fenômenos mais bonitos da nossa existência. Para mim, cor é vida e um jeito de lidar e sentir nossas emoções, nossa psique, nosso lado espiritual. Algumas cores são fortes, outros são leves... O importante é a tonalidade, a matiz, a saturação de cada cor e como elas se combinam entre elas. As cores podem ser bem usadas ou não, mas ninguém deve temê-las. De que forma o país onde você nasceu e todos os outros onde já morou influenciam o seu trabalho? Sou um quarto irlandês, um quarto inglês, um quarto algeriano e um quarto egípcio. E hoje sou naturalizado americano. Acho que, como um designer americano, essa minha mistura de culturas contribui para um desenho mais democrático. Meu lado europeu é mais romântico e poético. O Oriente Médio influência meu lado mais apaixonado e artístico. E o inglês, o pragmático. Para terminar, o lado canadense é responsável pelo meu péssimo senso de humor e pela minha modéstia (haha).