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Zelar pelo amor, a revolucionária tarefa dos parceiros no ano novo

Alberto Lima Publicado em 28/12/2006, às 11h39

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Conta uma lenda chinesa que a Terra sofrera com longo período de estiagem. Havia muito não chovia. O solo estava ressequido; as mirradas plantações só resultavam em perdas e danos, deixando o povo faminto. Em certa estação, as águas voltaram, mas não havia sementes a plantar. Consultaram um sábio. Foram instruídos a revolver e afofar a terra das estradas que serpenteavam as lavouras. É que, nos anos em que a terra fora fértil e produtiva, por elas passavam as carroças com os grãos a serem plantados. Assim, pisoteadas, as sementes se conservavam e podiam ser reavivadas com o trabalho na terra e a umidade da chuva. Logo os cereais voltariam a verdejar e a fome não mais assolaria a população. A metáfora é apropriada para retratar a situação de muitas parcerias amorosas, tanto no tocante ao estado atual da relação, quanto no que diz respeito às possibilidades de um futuro bem-construído. Além disso, é comum a alusão ao plantio, ao cultivo e aos fenômenos da natureza para descrever o tipo de zeladoria que uma relação interpessoal requer. A canção Amor até o Fim, de Gilberto Gil (64), diz que "o amor é como a rosa no jardim/ A gente cuida, a gente olha/ A gente deixa o sol bater,/ Pra crescer. (...)/ A rosa do amor não vai despetalar/ Pra quem cuida bem da rosa,/ Pra quem sabe cultivar..." Desatentos a necessidades dessa ordem, os casais falham em cuidar do amor, deixando de regar as plantas e de tirar as ervas daninhas que ameaçam o crescimento da relação. Ou deixam de experimentar alegria no convívio, queixosos de que "tudo" se tornou árido ao longo dos anos. Mas, onde um dia houve um grande amor, não é possível que tudo se tenha perdido. Antes de sucumbirem às evidências de que a relação esturricou, seria sensato revolverem a terra das estradinhas por onde passaram, distraidamente deixando cair ao chão sementes amorosas. É possível revolver a terra e devolver ao amor o viço que ele teve. Uma das melhores expressões desse trabalho de reativação é rever fotografias. Sabemos que alguns dos melhores momentos de nossa vida são os que escolhemos registrar em filmes e fotos. Quanta ternura, quanta alegria, quanto frescor! Quanta vida! A imagem de uma experiência vivida tem a capacidade de ativar em nosso cérebro o registro da emoção que permeou a cena e, em razão disso, leva a pessoa a recordar - trazer de volta ao coração, não apenas à memória- o colorido original da vivência. Essa rememoração reenergiza a pessoa e acende novas luzes no bojo dos velhos vínculos retratados nos cromos, conferindo a eles, como num rito de renascimento, a renovação do afeto, da solidez e da verdade que os caracterizaram um dia. Sim, rever fotos é viver de novo. E nessa frase há uma palavra preciosa: o novo. Longe de propiciar apenas o refrasear de um conhecido verso, o que essa experiência propicia é um soneto novo, um verde novo - diferente de apenas "ver de novo" -, o emergir de um aspecto inusitado no repertório de quem percorre as páginas do álbum. É que, no tempo que transcorreu desde que a cena foi fotografada, a pessoa amadureceu, evoluiu, teve a chance de se tornar alguém melhor. Os fatos retratados talvez não mudem, mas os olhos que os observam são - ou deveriam ser - mais refinados, mais objetivos, mais sábios. O novo está no olhar - e seria de esperar que esse olhar tivesse se tornado ainda mais amoroso. Tantas promessas de ano novo formulamos, não? Todas tão irrealizáveis - não em razão de sua natureza, mas por facilmente conseguirmos boicotá-las. Todas tão voltadas para nosso umbigo: "Vou parar de fumar." "Vou fazer regime." "Vou voltar a fazer ginástica..." Quem sabe na passagem do ano possamos nos propor a uma tarefa revolucionária, a um só tempo egocêntrica e altruísta: a de revolver as terras das estradinhas que percorremos e, com isso, zelar pelos bens mais preciosos que conquistamos: nossos amores e nossa capacidade de amar.