CARAS Brasil
Busca
Facebook CARAS BrasilTwitter CARAS BrasilInstagram CARAS BrasilYoutube CARAS BrasilTiktok CARAS BrasilSpotify CARAS Brasil

Vida moderna absorve. Mas não se deve esquecer que o outro existe

Paulo Sternick Publicado em 10/09/2007, às 16h51

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Paulo Sternick
Paulo Sternick
Há uma nova solidão, um estranho tédio surgindo no coração dos namorados, cônjuges e amantes: o de ver o parceiro tão absorvido em suas atividades, que é quase como se esquecesse, em muitos momentos, que o companheiro existe. O amor, hoje, sofre dura disputa de inesperados concorrentes. Até os Jogos Pan-Americanos Rio 2007 provocaram abalos em alguns casais, o que eu pude constatar em meu consultório. Explico-me: o apetite dele, ou dela, de acompanhar o maior número de jogos e competições deixou o outro, não tão interessado assim em esportes, com o sentimento de estar sendo abandonado, de não ser tão importante. Mas este é só um exemplo. O futebol, a TV a cabo, a internet, o mundo das finanças e tantos outros interesses e estímulos que existem hoje - sem contar as tarefas do trabalho trazidas para casa - absorvem as pessoas de tal maneira que elas podem acabar, caso não se dêem conta disto, quase extraviadas do contato humano. Até de quem lhes dedica, e espera, amor e companhia. A situação, vivida por um sem número de pares, faz parte de um fenômeno mais amplo da atualidade, de intensificação do individualismo e do egoísmo, em prejuízo de atitudes sociais, solidárias e afetivas. Será a subjetividade contemporânea avessa a um amor real? Ou estará ela produzindo indivíduos narcisistas, apressados, intolerantes, voltados para os prazeres imediatos e sem compromisso, tão competentes nos afazeres profissionais quanto inadequados para a relação afetiva? A Sociologia e a Psicanálise trabalham para entender esse novo tipo de homem ou de mulher que surge na inquietante conjuntura atual. Mesmo quando eles têm um namoro prolongado ou se casam, o conflito provocado pelo individualismo se torna uma armadilha, capaz de destruir a relação. Para evitar o desastre, é preciso que ambos, apesar de ter a atenção capturada pelos respectivos afazeres, não percam o foco no vínculo amoroso. O segredo está no equilíbrio. Se um dos dois se coloca sempre na dependência do outro, sem desenvolver alternativas para a própria vida, também é sinal de que algo precisa ser estimulado. Claro que um pode incluir o outro em seus interesses, seja comunicando e trocando idéias sobre o que está fazendo, seja desenvolvendo atividades conjuntas. Mas isto às vezes esbarra no limite da individualidade de cada um, pois, a partir de certo ponto, as pessoas precisam realmente ficar absorvidas em suas próprias ocupações e competências específicas. O que não custa muito é, enquanto isso ocorre, dar uma olhadinha no que o outro faz, trocar uma idéia sobre suas atividades. Isso realça um vínculo afetivo. Nos casos em que não há tal cuidado, o desvio exagerado de atenção egoísta para os múltiplos interesses da atualidade pode soar como uma fuga da relação - e às vezes é isso mesmo. Ou então funciona como um subterfúgio provocado por crônica dificuldade afetiva. Hoje, mais do que nunca, devemos ter em mente uma séria seleção do que nos atrai no mundo. Do contrário, estaremos sendo complacentes com os que tentam nos transformar em terminais passivos de uma rede de bobagens, tolos consumidores de estímulos culturais massificados e de baixo nível, escravos apáticos de novidades tecnológicas. Se a libido conseguir ir mais para o lado do amor em lugar de ser capturada pela distração vazia, o casal, no mundo pós-moderno, não só se defenderá melhor do assédio dos estímulos, como também se constituirá numa resistência humanista contra todo tipo de manipulação.