Sexo pago seduz com prazer fácil. Suas causas, porém, são complexas
Paulo Sternick Publicado em 02/08/2007, às 14h31
O grego Artemidoro, intérprete de sonhos na Antiguidade, contrariou sua época afirmando que só se pode analisar um sonho ouvindo cada pessoa. Seu achado persiste hoje e serve para outros comportamentos, cuja significação é mais particular do que universal. A singularidade se aplica também às várias formas de satisfação
amorosa, incluindo a procura por "garotas" ou "garotos de programa": cada indivíduo tem razões ou sonhos que o levam a essa escolha. Pagar um "programa" traz uma mulher ou um homem para alcance fácil, driblando impedimentos de se estar com alguém para desfrute erótico.
Mas nem sempre a satisfação é só física. Intenso imaginário pode se infiltrar nas relações - às vezes envolvidas com inesperadas subjetividades e afeições que se pensava excluir ou controlar. Os atores desse encontro estão sujeitos a múltiplos papéis, segundo fantasias e desejos. Carências afetivas ali podem se derramar. No extremo, existem casos de paixão por "garotas" ou "garotos de programa", e até casamentos surgem dessas situações pouco convencionais. É resultado irônico, pois um dos propósitos aparentes dos encontros pagos é o de separar sexo da afeição. Em seu tempo, Sigmund Freud (1856-1939) dizia que apenas pequeno número de pessoas educadas fundiam tesão e afeição. Para a maioria, potência ou atração só com parceiras ou parceiros desvalorizados. E no século 21?
É verdade que no sexo podem se infiltrar desejos estranhos que não se ousa satisfazer com a mulher ou o homem de "respeito". No raciocínio cheio de pudor, profissionais seriam para isso. E ali é proibido proibir: afinal, não existe pecado em um encontro de programa. Igualmente, escolhem-se pessoas de classe mais baixa com a mesma finalidade de ter objeto sexual "depreciado", mas altamente valioso para expressar, sem constrangimentos, desejos julgados incompatíveis com pombinhos de "bom nível". Às vezes, é um simples desejo de variar "sem trair" ou sem se envolver - enfim, um divertimento. Mas ainda há homens que, quando amam, não desejam e quando desejam, não amam. No limite, escolhem profissionais, ou mulheres socialmente depreciadas, até como pré-condição para ter potência. Afinal, nem todos aliam refinamento e excitação.
As mulheres, à sua maneira, não escapam de sofrer questões análogas. Objeto de imperial desejo masculino, sobre elas costuma recair maior repressão e advertências para terem cuidado com sexo. O resultado é que, uma vez "liberadas" para transar, algumas custam a se dar conta de que são livres sexualmente. No extremo, há mulheres que não se satisfazem em relações convencionais, até que uma situação de perigo ou proibição seja restaurada: um amante, um garoto de programa, alguém que precisam esconder. Iguais aos homens, algumas hoje usam programa para acesso excitante ao sexo oposto, mesmo porque pode não estar disponível de outra modo; ou por vingança e ressentimento que causou a necessidade de triunfo onipotente sobre o homem: "Quando quero um, pago e mando embora!"
Essa drástica e vazia redução do amor ao sexo - especialmente ao sexo pago -, para além das carências urgentes, reproduz a experiência infantil da criança que é alimentada sem sentir afeto dos pais. É daí que vem a dissociação entre a satisfação física e a subjetiva. Que pode gerar uma demanda cada vez maior por bens materiais, drogas e compulsões sexuais - se a vida não ensinar que o que preenche é a afeição e a generosidade. A satisfação sexual é agradável, em especial se acompanha amor, mas tem inerente limitação que o programa por si só não é capaz de corrigir.