CARAS Brasil
Busca
Facebook CARAS BrasilTwitter CARAS BrasilInstagram CARAS BrasilYoutube CARAS BrasilTiktok CARAS BrasilSpotify CARAS Brasil

Quem deseja viver junto precisa aceitar os gostos do companheiro

Nahman Armony Publicado em 21/06/2006, às 17h01

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Nahman Armony
Nahman Armony
Em recente programa de TV, depoimentos de mulheres na faixa dos 30 anos davam como causa de separação as diferenças de gosto entre as partes do casal: enquanto ela aprecia a paisagem bucólica das montanhas, ele prefere divertir-se na praia; ela adora festas e ele odeia. Sem muito esforço, é possível multiplicar as possibilidades de divergências como essas: gostar ou não de cinema, de ar-condicionado, de visitas. Preferências que, na verdade, não são fundamentais para a vida de ninguém. O apaixonamento passa por cima de todos os gostos. É um impulso avassalador, que leva tudo de roldão, na ânsia de abraçar e se fundir com a outra pessoa. Mas a paixão tem vida limitada. Se duas pessoas querem criar uma história comum, precisam se amar. Amor é carinho, companheirismo, ternura, confiança mútua, divisão de tarefas, satisfação de estar junto, mútuo amparo e outras coisas desse jaez. O sexo da paixão explode na ânsia do entredevoramento; o sexo do amor surge do carinho, da ternura, do sentimento de gratidão. O ideal é que a paixão e o amor possam caminhar juntos. Sendo a paixão sentimento mais fugaz, a base de uma união estável só poderá ser o amor. Para que um e outro sentimento convivam é preciso que a linha sinuosa do amor seja periodicamente invadida por picos de paixão. Céu claro do amor e céu tempestuoso da paixão. Choque cósmico de estrelas espalhando brilhos fascinantes nos corações e luz mansa das auroras e vésperas enchendo as almas de calmas belezas. Se a paixão é irresistível, o amor está sujeito a temperaturas e temperamentos. No entanto, pesquisas têm demonstrado que, apesar dos pesares, casados vivem mais que solteiros; as uniões estáveis permitem um maior relaxamento na presença de um parceiro amoroso, íntimo e confiável, facilitando a recuperação dos estresses da vida. As mulheres que deram seus depoimentos no programa citado são realizadas social e financeiramente e podem escolher entre viver sozinhas ou ter companheiro. Mas o que as leva a decidir pela primeira opção? Por que dispensaram o companheiro por uma banal questão de gosto? Por que não tentaram resolver as divergências, ora satisfazendo o prazer de um, ora o do outro, ou, ainda, por que não tentaram conviver com elas, admitindo-se a possibilidade de que um fosse ao futebol enquanto o outro iria ao teatro? Tais iniciativas poderiam resolver a questão sem comprometer o básico da convivência. Mas não foi o que ocorreu. Por quê? A pergunta merece pelo menos duas respostas. Parece-me que por trás da teimosia em não abrir mão de um gosto estava a necessidade de afirmação da individualidade. Ceder ao desejo do outro seria como abdicar de si mesmo, da essência da própria personalidade, tornando a pessoa um capacho, um nada. A questão deixa de ser aquilo de que se gosta ou não e passa a ser a conservação ou não da própria essência pessoal. A segunda resposta está ligada à primeira. Estamos mergulhados em uma cultura individualista. O modo de criação dos filhos da geração que chega aos 30 anos foi o de não opor obstáculos aos seus desejos. As crianças desde cedo se acostumaram a impor suas vontades aos pais. E quando adultos não conseguem conviver com desejos que limitem os seus. É verdade que alguns procuram vencer o individualismo e lutam para aceitar as restrições às suas vontades. Alguns são bem-sucedidos enquanto outros se privam da delícia da íntima convivência amorosa. Não se trata aqui de afirmar que um modo de vida é melhor que o outro. Enquanto Tom Jobim (1927-1994) nos diz que "é impossível ser feliz sozinho", outros dizem que amor é ilusão e só traz sofrimento. Cada um escolhe o caminho que quer e pode. Mas a maioria dos poetas canta o amor e lamenta sua perda.