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Parceiro que sempre quer dar a última palavra às vezes é inseguro

Anna Veronica Mautner Publicado em 04/10/2006, às 16h16

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Anna Veronica Mautner
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Muitos parceiros têm o vício de teimar em dar sempre a última palavra, seja numa conversa, seja em discussões ou mesmo nos encontros casuais. Nem sempre quem quer dar a última palavra tem a intenção de terminar por cima. Pode ser até um pedido de desculpas ou mera concordância. O que importa para o viciado é dar a última palavra. Em um casamento, isso torna o dia-a-dia difícil. Cada diálogo se transforma em desafio. A vida com pessoas assim dificilmente é tranqüila, pois redunda em enfrentamentos desnecessários. No tempo em que um dos objetivos da educação era treinar para contenção, evitava-se a eclosão de muitos desses qüiproquós no futuro. Além das regras de educação, o respeito à hierarquia ajudava: os mais velhos, o patrão, os pais eram quem dava a última palavra e encerravam picuinhas. Assim se evitavam palavras pesadas e inúteis, fruto da irritação que a luta pela palavra final gerava. A ânsia de dar a última palavra prolonga bate-bocas, sair resmungando, batendo porta, pisando pesado, gesticulando, reacendendo ânimos. Nesse ponto, muitas vezes já esquecemos o que estávamos a tratar. Nem sempre é para fazer justiça, convencer, impor opinião. É uma compulsão à repetição. Quando o jogo de dar a última palavra ocorre no âmbito do casal - marido e mulher -, os parceiros têm problemas. Durante a vigência da paixão inicial, o desejo de se amalgamarem, de se tornarem um, atenua a compulsão. Escuto freqüentemente relatos de uma certa indisposição entre os casais em que fica claro que um ou às vezes os dois não conseguem deixar barato. E a irritação aumenta. As tais últimas palavras podem aparecer mascaradas atrás de expressões do tipo "está bem", "concordo", "vamos ver", "da minha parte..." Não adianta dissimular, a imposição permanente da última palavra irrita sempre. Outro tipo freqënte de compulsão à repetição entranhado no diálogo dos casais é o "eu também". Nem que se trate de doença, desgraça, acidente, saudade ou desejo, alegria ou tristeza, lá vem um "eu também", "comigo também", "lá em casa também", "na minha vida também". Dá vontade de nem contar nada só para não ouvir o outro dizendo "eu também". Passar a vida escutando esse tipo de frases compulsivamente apresentadas torna qualquer diálogo, por mais desejável que seja, aversivo. Para evitar a irritação, deixamos instaurar-se o silêncio. A psicologia, simplificando, entende essas compulsões como um sintoma genérico de insegurança. Cada troca de idéia é vista como última, como se a pessoa fosse morrer e quisesse deixar a sua marca na Terra. Quando o outro menos compulsivo começa a implicar com essa forma inevitável de se fazer presente, a quantidade de brigas torna-se exponencial. O que parece ser mais freqüente é que aquele que não faz questão de dar a última palavra pare de contar, relatar e evite conversar, instaurando-se o silêncio, pois, diante de um ou dois detentores do direito de dar a última palavra, não há qualquer espaço para serenidade e bem-estar. Presenciei, certa vez, um demitido sair resmungando. Não deixou de perder o emprego e o empregador deu-se por mais feliz ainda de se ter livrado de tão desagradável criatura. Para os viciados em "última palavra", marido ou mulher, ter de murmurar sempre um "de acordo" qualquer deixa um gosto amargo na boca do interlocutor, que, afinal, não casou com juiz nem padre. Livrando-se dessa compulsão, o mundo, o casamento e o lar poderão parecer bem mais agradáveis. Se for difícil mudar isso, um profissional pode ajudar, pois quase nunca é de propósito que as pessoas agem dessa maneira. Um psicólogo pode ajudar a transformar a compulsão em traço menos desagradável.