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Não espere ouvir "eu te amo" todo o tempo. É um desejo impossível

Nahman Armony Publicado em 03/01/2008, às 13h39

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Nahman Armony
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O poeta Carlos Drummond de Andrade, em Quero, do livro As Impurezas do Branco, fala de sua necessidade de estar sempre ouvindo da amada que ela o ama: "No momento em que não me dizes:/ Eu te amo,/ inexoravelmente sei/ que deixaste de amar-me/ que nunca me amaste antes." Seus versos refletem um desejo primitivo, que fica no inconsciente do homem e às vezes vem à tona. No caso, tomou a forma de poesia, mas pode aflorar também em reivindicações e cobranças. Para compreender esse desejo que tenta unir os amantes com fios de aço, porém os machuca como arame farpado, temos de lembrar que existem dois níveis de relação: um inconsciente, infantil, como o que é expresso por Drummond, e outro que sabe ser este desejo de permanente amor uma quimera. Pensemos numa mãe com seu bebê. Em certos períodos ela se volta para ele, preenchendo as condições do poema. Em outros ela se afasta, pois tem outros afazeres e pela necessidade de uma vida própria. No início da paixão, é comum vivermos situação semelhante. E querer manter este clima é uma impossibilidade que leva a equívocos, a separações e, nos casos trágicos, até à morte. Todo casal tomado pela fantasia primitiva de preenchimento total estranhará tudo que represente um afastamento desse desejo primordial. Um mínimo de desatenção, uma voz menos carinhosa, um tempo maior de separação, tudo coloca o amoroso em situação de ansiedade, de insegurança quanto ao amor do parceiro - ainda que ele saiba, com outra parte de sua personalidade, que não se trata disso. Os amantes mantêm-se preocupados em não deixar que o outro sofra as angústias da dúvida irracional. Repito: racionalmente, ambos sabem que adiamentos ou mudança de tonalidade de voz não significam deixar de amar; mas se o inconsciente aí se manifestar, trará uma insegurança inapropriada. A grande questão envolvida nesse processo é a da integração entre as emoções primitivas e o conhecimento cognitivo. Quanto menor for essa integração, mais a pessoa sofrerá com as fantasias que se originam das emoções primevas. Não é simples alcançar tal integração. Exige, entre outras coisas, focalizar com nitidez os aspectos práticos da vida. Em alguns momentos, problemas podem ocupar o psiquismo da pessoa e sua disponibilidade para com o amado diminui. Se o conhecimento desse fato entra em contato com a emoção primitiva, formando com ela uma unidade funcional, o sofrimento expresso de forma algo jocosa pelo poeta tornar-se-á menos presente. Os amantes ficarão livres para usufruir a intensidade da relação quando disponíveis psicossomaticamente, sem se incomodar com as distâncias impostas pela vida e pela dinâmica psíquica; afinal, é quase impossível suportar uma proximidade 24 horas por dia. Em seu cume ideal, uma relação se realiza em estado de fusão, com perda de identidade dos parceiros, situação prazerosa, mas ameaçadora. É necessário um movimento de afastamento e individuação para que os parceiros recuperem seu próprio eixo, quando então poderão voltar a viver as delícias de uma intimidade fusional. Se cada um puder amalgamar o conhecimento cognitivo aos desejos e temores inconscientes a convivência do casal ganhará em intensidade, tranqüilidade e relaxamento.