Não dá para dizer, pela cor da pele, se alguém tem anemia falciforme
Sandra Gualandro Publicado em 08/08/2008, às 15h43
A anemia falciforme é uma das doenças hereditárias mais freqüentes no mundo, inclusive no Brasil. É problema de saúde pública. Atinge em especial os afrodescendentes. Porém, aqui, devido à grande miscigenação, não dá para dizer se o indivíduo tem ou não anemia falciforme pela cor da pele. É só passar uma tarde no Ambulatório de Hemoglobinopatias do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para ver: há brancos, amarelos, pardos e negros.
Hemoglobinopatias são doenças hereditárias ligadas à hemoglobina, que está dentro dos glóbulos vermelhos do sangue e "carrega" oxigênio por todo o organismo. A anemia falciforme é uma delas. Trata-se de um defeito genético. A hemoglobina é formada por duas partes: o heme, onde está o ferro; e a globina, uma proteína, composta por aminoácidos. São como "tijolinhos" de uma casa. Têm de ser assentados numa ordem correta. Quando isso não acontece, a pessoa nasce com alteração genética.
No caso da anemia falciforme, a troca de posição de um dos "tijolinhos" faz com que a pessoa não produza a hemoglobina A, que é a normal. Em vez disso, fabrica uma chamada S. Para uma pessoa ter anemia falciforme, é preciso herdar o gene da hemoglobina S tanto do pai quanto da mãe. É o chamado SS.
Quando herda apenas um gene alterado, a pessoa é AS. Ela tem traço da doença, mas não a desenvolve. É o que chamamos de traço falciforme. Porém, se tiver filho com outro portador do traço (AS), há 25% de chance de nascer uma criança SS; 50% de ela ser AS; e 25% de ser normal (AA). No Brasil, segundo estimativas do Ministério da Saúde, existem 30 mil indivíduos com anemia falciforme e 7 milhões de portadores de traço falciforme.
O fato é que, apesar dos avanços nos últimos anos, o diagnóstico é muitas vezes tardio, aos 5, 6 anos e até mais. O tratamento também ainda deixa a desejar. A doença pode afetar quase todos os órgãos, embora o grau de gravidade varie de caso para caso. Alguns portadores têm poucas complicações; outros vivem internados. Uma coisa, porém, é comum a todos: é uma doença para a vida toda. O grande desafio é tratá-la precocemente, e da melhor maneira, para prevenir complicações.
Portanto, o ponto de partida é o diagnóstico logo ao nascimento, por meio do "teste do pezinho", colhido ainda na maternidade. Portaria do Ministério da Saúde incluiu a detecção das hemoglobinas anormais nesse teste, que rastreia também a fenilcetonúria, o hipotireoidismo congênito e a fibrose cística.
Mas só o diagnóstico precoce não é suficiente. São indispensáveis acompanhamento clínico, tratamento e medidas preventivas específicas desde os primeiros meses de vida. Por exemplo: vacinar as crianças adequadamente, incluindo as vacinas contra as bactérias pneumococo e haemophilus às convencionais. Além disso, fazer profilaxia com penicilina nos primeiros anos de vida, devido à maior tendência a infecções, e buscar rápido as emergências para tratamento das intercorrências em qualquer idade.
Por isso tudo, exija a pesquisa da anemia falciforme no "teste do pezinho" de seu filho, neto, sobrinho. Para os já portadores e familiares, recomendo: organizem-se como os pacientes com HIV/aids, câncer, diabetes e outros e partam para ações positivas. Ninguém tem mais poder de pressão do que vocês!