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Mundo atual não favorece relações mais consistentes e duradouras

Paulo Sternick Publicado em 26/09/2007, às 11h57

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Paulo Sternick
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Algumas pessoas a que atendo, além de outras que conheço - e que desmancharam namoros ou casamentos ou estão sozinhas há tempos -, me relatam uma queixa comum: não está fácil encontrar alguém para manter uma união consistente. De fato. O mundo atual produz pessoas bem-formadas, que cuidam da saúde, das roupas e das finanças, são viajadas e antenadas, porém com certa dificuldade de amar. Mas nem pensar que elas ficam sozinhas! Ao contrário, em nossa cultura do espetáculo e do entretenimento, não faltam lugares para se exibir e encontrar outras pessoas disponíveis - e carentes, pois sofrem do mesmo mal, não conseguindo se ligar afetivamente a ninguém. O resultado é a febre que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (82) denomina de "amores líquidos", caracterizados por vínculos frágeis,passageiros, sem maior envolvimento afetivo. Hoje se tem pressa, muitos estímulos são oferecidos e é preciso trabalhar demais para ter acesso às tantas possibilidades do mundo. Mas a pressa é inimiga do amor, que exige paciência, sabedoria e aplicação. Além disso, exige também certa modéstia em aceitar as próprias limitações e as alheias. Mas, como? Afinal, não nos sentimos fantásticos e arrogantes com tudo que estamos conseguindo nesta era globalizada, inclusive amores em cada capital, bairro ou boate, ao vivo ou via internet? Diante de tantas opções e beldades - e as pessoas hoje estão mais bonitas mesmo! -, como não se lembrar das amargas histórias dos amigos que terminaram o casamento jurando nunca mais se unir de novo, triunfantes em seu novo solteirismo; ou das próprias decepções e sofrimentos, bem como as de nossos pais ou parentes? "Carlos, sossegue" - diria o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) -, "o amor/ é isso que você está vendo:/ hoje beija, amanhã não beija,/(...) Inútil você resistir/ (...) O amor no escuro, não, no claro,/ é sempre triste, meu filho, Carlos." Não, o amor não é sempre triste. Isso garanto, com o devido respeito ao poeta. Mas também não é sempre alegre e divertido. O amor não salva ninguém da própria vida, dos problemas e limitações, ou das incoerências do próprio amor. Para amar, é preciso tolerar uma espécie de "retrocesso", uma recaída em relação à onipotência e megalomania do individualismo, que faz tudo parecer possível. Talvez por isso se diga, em inglês, que apaixonar-se é ter uma espécie de queda, um fall in love (queda no amor, literalmente); ou, em francês, tomber amoureux (cair de amor), como nos lembra o psicanalista Jean-Bertrand Pontalis, ainda interessado em falar do amor aos 83 anos! A "queda no amor" representa um avanço na profundidade e na consistência de um vínculo que valha a pena, enquanto a suposta liberdade líquida de hoje pode se converter em pesadelo: a vertigem do vazio, o sexo saciado e a alma depenada. Esta liberdade até vale para os jovens - talvez por isso, com certa razão, as pessoas estejam se casando mais tarde - e para aqueles que acabam de sair de uma relação prolongada e precisam de um intervalo para se distrair e brincar - o que é válido, desde que seja feito com ética. Mas quem está à procura de algo consistente não pode confundir quantidade com qualidade, pois há uma contradição entre a idealização do agito da vida atual e a expectativa de um amor. O amor é sempre singular, uma história única, que surge em recantos imprevistos. Não se encontra facilmente em qualquer agito explícito da modernidade líquida. Esta é boa demais para brincar, não tanto para encontrar o homem ou a mulher de sua vida.