Mente sempre quem não confia em si, no outro ou no relacionamento
Alberto Lima Publicado em 29/09/2008, às 16h48
Ainda que surja de um dos parceiros, apenas, a mentira em geral é da responsabilidade dos dois - e quase sempre indica que algo não vai bem na relação. Ela reflete o desejo de encobrir ou suplantar uma verdade difícil de ser admitida ou apresentada. O mentiroso, em especial o crônico, não admite sua verdade como digna, aceitável, legítima ou merecedora de crédito e ao mesmo tempo quer promover no parceiro a aceitação, a autorização, o perdão, a permissão. Depreende-se disso que o mentiroso persistente tem problemas com sua identidade: ele não a aceita e/ou a julga indigna de ser aceita. O outro é colocado na posição de juiz ou autoridade, ou é percebido nesses termos, donde se deduz que o mentiroso deve se sentir esvaziado de tais atributos, ou inexoravelmente submetido ao jugo deles em seu par, como uma criança dependente da autoridade parental e por ela guiada. Assim, a mentira tem o propósito de exercer controle sobre si, sobre o outro e sobre o destino. É onipotente, uma vez que cria realidades como se com poderes divinos, mas também é indício de impotência, dado seu caráter frágil, ingênuo, mágico, infantilizado.
Um dos perigos da mentira é que gera mais mentiras, criando um sistema mentiroso. Diz o dito popular que "a mentira tem pernas curtas". Sobre o sistema mentiroso, afirmaria que é uma teia que enreda, aprisiona, sufoca e enlouquece os envolvidos. O mentiroso, pois para conferir sustentabilidade à falácia tem de construir um castelo mitológico, algo que se aproxima do delírio, e o interlocutor, pois se vê diante de pelo menos dois fenômenos incompatíveis, a informação que lhe é fornecida pelo mentiroso e a percepção que tem da realidade. Quem mente subestima esse fato, o que atesta a sua ingenuidade.
Mas nem sempre a mentira é crônica. Ocorre às vezes como um lapso, um deslize ou uma estratégia episódica. Nesses casos, cabe indagar qual é a sua finalidade e o que o simples fato de se recorrer a ela revela sobre a relação. Por que, afinal, a verdade está impedida de mediar a comunicação?
Na maior parte das vezes pode-se afirmar que é porque algo se trincou, ou ameaça trincar-se, naquele ambiente, naquela parceria. Se a verdade não pode circular, é provável que a confiança esteja abalada em alguma de suas manifestações: confiança em si, confiança no outro, confiança no futuro, confiança em processos. Mas também há situações em que a mentira vem em atendimento a um pedido silencioso do interlocutor. Algo como "diga-me o que suporto ouvir, assim fica parecendo que eu tomei acordo da situação". É o "me engane, que eu gosto". Outra possibilidade é a mentira diplomática, quando a verdade é trocada por uma ficção pois pode representar uma bomba destruidora.
Essas manifestações episódicas da mentira nem sempre põem em risco o caráter verdadeiro e sólido da relação. Como a verdade nem sempre é construtiva e bem-vinda, pois pode ferir, destruir ou causar sofrimento, a depender de como é veiculada e das intenções de quem a profere, muitas vezes é melhor uma mentira que cura do que uma verdade que, em razão de sua leviandade, só instala o caos.
Problemática, mesmo, é a mentira que se torna o modo de interação preferencial do casal, indicando que o amor já escorreu pelo ralo. Com ela, ninguém ganha. Todos perdem.