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Hora de dormir não deve causar briga. Cada um tem o seu relógio

Paulo Sternick Publicado em 20/09/2006, às 15h55

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Se existem casais que decidem morar em casas separadas, mantendo a individualidade de cada parceiro, no outro extremo há os que não apenas moram juntos, como também desejam dormir na mesma hora todas as noites. Quando ambos têm a mesma vontade - e igual ritmo -, sorte deles. Mas a realidade pode ser diferente. É preciso ter compreensão para as diferenças e respeitar a forma de ser de cada pombinho. Do contrário, o desejo de proximidade se converte em sufoco do outro e invasão de sua privacidade subjetiva. Entendamos alguns aspectos regressivos do amor. Além do desejo adulto de afeição, sexo e companhia, uma relação íntima e estável revive na hora de dormir antigas experiências de infância. Qual criança não exige como passaporte para o sono manter o pai ou a mãe pertinho de si? Verdade seja dita, aconchego vicia! Para as crianças, hora de ir para a cama é momento de angústia, perda da vida desperta e incerteza sobre o dia de amanhã. Não é à toa que o poeta latino Virgílio (70-19 a.C.) situa a morada do sono nos palácios encantados do inferno. E na Ilíada, do poeta épico grego Homero (9º ou 8º séculos a.C.), Hypnos, o deus do sono e filho da noite, é irmão de Tânatos, o gênio da morte. Influenciados por uma parte infantil que se perpetua no inconsciente e ressuscita em situações da vida adulta, há parceiros que também desejam proteção noturna, adormecer no calorzinho dos corpos juntos e das almas tranqüilizadas pela presença do outro. Alguns podem pensar que é apenas um desejo sexual que reclama presença para satisfação. Mas ocorre que muitos pombinhos, mesmo depois de transar, não se conformam que o outro não durma junto de si, como se a comunhão do sono fosse uma garantia de união. Do contrário, aflições podem emergir se o outro não vem dormir junto: "Será que não sente mais prazer na íntima companhia? Vai paquerar na Internet, fazer visitas no Orkut? Está cheio de mim e vai me trair?" Às vezes, não se trata só de deitar junto, mas até de dormir ao mesmo tempo. Quantas pessoas não vão para a cama com seu notebook, Ipod, DVD, palm top... O mundo atual é absorvente e, além disso, oferece opções de entretenimento cada vez mais portáteis. A cama deixou de ser apenas lugar sagrado de amor e descanso: virou extensão pós-moderna do escritório e até do lazer, um virtual playground eletrônico. Alguns pombinhos, não tão "ligados", podem desconfiar que estão sobrando na cama. De fato, se o casal não está morrendo de amores, nada melhor do que um "trabalhinho urgente" como tática de evasão. Se não for o caso, isso pode ser visto também de forma positiva, quando o sono não é atrapalhado pela movimentação alheia: pelo menos o outro está ali do seu lado, fazendo uma afetiva conciliação entre a necessidade de estar ocupado e a companhia do parceiro. Para quem se sente preterido e não consegue dormir, a saída é ter também seus próprios interesses noturnos, que não dependam do parceiro ocupado. Afinal, quanto mais prolongada é a vida a dois, mais é preciso não cansar a união atribuindolhe a função de satisfação exclusiva, que ela é incapaz de proporcionar. Ao contrário. Se cada um tocar os próprios interesses e atividades - claro, dentro da ética e da lealdade -, sem constranger o outro, a própria relação será irrigada e beneficiada. É evidente que um equilíbrio entre os interesses individuais e autônomos e a atenção ao casal se faz necessário, senão é indício de desinteresse. O mais individualista e ocupado dos parceiros pode dispensar algumas noites para atender às necessidades de aconchego e companhia do outro. Mas a satisfação numa relação prolongada se espraia também num tempo estendido, não na urgência absoluta do presente. Só quando a união não está bem "instalada" e firme na subjetividade dos parceiros se precisa desse adicional de segurança diária até ao dormir.