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Hoje sinônimo de acusação, a palavra catilinária vem do nome de...

...Lúcio Sérgio Catilina, que conspirou contra o Senado romano no século I a.C. Recentemente, catilinárias diversas têm sido proferidas no Congresso brasileiro, algumas envolvendo o decoro, do latim decorum, decência.

Deonísio da Silva Publicado em 18/10/2007, às 10h25

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Deonísio da Silva
Deonísio da Silva
Apofonia: do francês apophonie, apofonia, separação ou mudança do som, palavra criada pelo lingüista francês Michel Bréal (1832-1915) para traduzir o alemão Ablaut, separação de som, em que ab indica separação, e Laut, som, em voz alta, presente nas expressões alemãs laut werden, tornar público, e lauter sprechen, falar mais alto. Bréal inventou também a palavra polissemia para designar a multiplicação de significado das palavras, além de fundar e nomear a disciplina Semântica na França. No Brasil, um dos maiores conhecedores de sua obra é o professor, lingüista e escritor Eduardo Guimarães (59), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A polissemia está presente em numerosas palavras do português. Lima, por exemplo, pode indicar a fruta, a terceira pessoa do presente do indicativo do verbo limar, uma ferramenta usada para polir materiais e, ainda, a capital do Peru. A apofonia designa cientificamente uma prática popular na alteração das palavras, pois elas são formadas e ditas de modos diversos. É o caso dos verbos latinos infringere, arremessar contra, quebrar, como em infringir uma norma, e infrangere, cuja raiz está presente em infrator, aquele que infringe. Note-se que ele não "infrange". Houve troca da vogal "a" por "i". Catilinária: do nome do romano Lúcio Sérgio Catilina (108-62 a.C.), pretor, questor e governador da África, que conspirou contra o Senado romano. A palavra designou as fortes acusações feitas contra Catilina, em discurso, por Marco Túlio Cícero (103- 46 a.C.). Depois, passou a designar quaisquer acusações. Cícero proferiu suas célebres catilinárias no ano 63 a.C. e até hoje elas são citadas com freqüência em cursos de Direito. Eis um trecho: "Oh tempos, oh costumes! O Senado tem conhecimento destes fatos, o cônsul tem-nos diante dos olhos; todavia, este homem continua vivo!". Seguidores de Catilina foram condenados à morte e executados depois dos discursos, o que gerou controvérsia, pois o Senado não tinha poderes para isso. No Brasil atual as catilinárias não são tão eficientes. Embora tenha sido alvo de várias delas, após denúncia de que uma empreiteira teria pago polpuda pensão a sua ex-amante, a jornalista Mônica Veloso (38), o presidente do Senado, Renan Calheiros (52), acabou sendo absolvido das acusações por seus pares. Decoro: do latim decorum, decência, o que fica bem, o que é conveniente. Palavras correlatas indicam que os latinos consideravam o decoro no exercício de um cargo público como uma estética do comportamento. A etimologia do vocábulo leva a palavras como bonito, formoso, elegante, conveniente. A falta de decoro, que tem levado à punição de homens públicos pelos mais diversos motivos, indo da falta de compostura no vestir-se a assassinatos, fraudes e malversação do erário, é medida de acordo com os costumes vigentes. O primeiro parlamentar cassado por falta de decoro foi Edmundo Barreto Pinto, em 1949. "Ele era um bonachão, um bon vivant (...) E ele não era um deputado atuante", contou Carlos Chagas (69) no livro O Brasil sem Retoques. O deputado queria ficar conhecido em todo o Brasil. Procurou os jornalistas David Nasser (1917-1980) e Jean Manzon (1915-1990), da revista O Cruzeiro. A dupla o enganou: "Nós só vamos fotografar o senhor no plano americano, da cintura pra cima. Se quiser não precisa vestir a calça não, está muito calor". Ingênuo, ele aceitou. A reportagem foi um sucesso. E o deputado perdeu o mandato por deixar-se fotografar de cuecas. Menos de quatro décadas depois, o último presidente do ciclo militar, João Figueiredo (1919- 1999), distribuiu fotos em que aparecia de sunga. E nada aconteceu. O decoro tem hoje um conceito mais elástico. Reticência: do latim reticentia, reticência, silêncio teimoso, do verbo tacere, calar, cuja raiz está presente também em tacitus, tácito, implícito, e taciturnus, taciturno, calado. A reticência indica que não foi explicitado, voluntariamente, algo que não deveria ou não poderia ser dito ou escrito. A palavra foi formada por apofonia, separação ou mudança de som, pois não ficou "retacência", já que o "a" passou a "i". O sinal gráfico que a indica é designado pelo plural reticências e pode ter mais do que três pontos. O poeta Ivan Junqueira (73), um dos mais cuidadosos com a norma culta da língua portuguesa, usa reticências no poema O Espelho: "Todo esse lodo e essa miséria.../ É deles sequer um reflexo,/ Como se o espelho, mais que o inferno,/ lhes recusasse alívio ou crédito". Reticências bem empregadas também aparecem em O Navio Negreiro, de Castro Alves (1847-1871): "Homens que Fídias talhara,/ Vão cantando em noite clara/ Versos que Homero gemeu.../... Nautas de todas as plagas!/ Vós sabeis achar nas vagas/As melodias do céu...".