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Excesso de trabalho compromete a estabilidade familiar e amorosa

Nahman Armony Publicado em 14/11/2006, às 21h01

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Antigamente o pai saía para trabalhar e a mãe ficava cuidando do lar. Suas tarefas se resumiam, basicamente, à atenção à casa e aos filhos. Estes, então, se beneficiavam de uma atenção constante. Embora o pai estivesse ausente de oito a dez horas por dia (estou falando dos bons tempos em que as pessoas não se matavam de trabalhar), sua presença ficava assegurada pelo contato permanente com a mãe, que lhe fazia um relatório no final do dia. Havia uma estabilidade que fazia da família um ambiente de acolhimento e segurança. Nessa configuração de antanho o pai era a figura dominante, o patriarca, aquele que tinha direito (exagerando um pouco as coisas, é claro) de vida e de morte sobre a esposa e os filhos. A mulher, submissa, acatava, por mais que lhe custasse em sofrimento e saúde, as determinações do marido. Certamente não era um mundo ideal, pois havia muitos não-ditos, muita repressão e conseqüentemente muita neurose. O que se ganhava era previsibilidade e estabilidade. Mas os tempos mudaram. As mulheres conquistaram mais independência e sua voz se fez presente. Paga-se, porém, o preço de uma menor estabilidade e previsibilidade. Tanto o pai quanto a mãe se ausentam do lar para trabalhar e variados arranjos têm de ser feitos para atender às necessidades e preencher o tempo dos filhos. O cotidiano transformou-se numa roda-viva. Os pais, inseguros quanto ao futuro, entopem as crianças de cursos e entram em competição desenfreada com seus colegas de trabalho. Sobrecarregados de tarefas, chegam em casa esgotados, ansiosos, mal-humorados, com os filhos já dormindo e o parceiro também estafado. Todos - homem, mulher, crianças e sociedade - ficam prejudicados. A loucura provocada pelo excesso de trabalho - que mereceu o nome de síndrome de burnout, expressão em inglês para aquilo que deixa de funcionar por falta de energia - começa a ser preocupação dos estudiosos e foi abordada, recentemente, em São Paulo, no II Congresso Brasileiro da Família. Está claro que para vencer o problema é preciso transformar a mentalidade corrente. O estímulo ao consumo provoca uma avidez que reforça a enorme importância dada à capacidade de obter dinheiro. Assim, o trabalho é posto em primeiro lugar - e esse primeiro lugar facilmente se transforma num lugar absolutamente dominante. Contribui para tal distorção o abissal valor que se dá ao sucesso e o conseqüente desdém por aqueles que não exibem sinais de riqueza. A palavra sucesso, na verdade, transformou-se em uma estrela-guia que cega as pessoas para as amenidades da vida, tão necessárias ao equilíbrio emocional. Alcançá-lo exige uma aplicação que devora todo o tempo que poderia ser dedicado ao amor, ao lazer, à família. Aquele que escolhe trabalhar menos, ganhar menos e se beneficiar de uma vida intelectual e afetiva mais rica é tido como perdedor (looser). A estabilidade da família é afetada por essa maneira de pensar e agravada pela dificuldade em assimilar a grande mudança sociológica provocada pelas conquistas da mulher. A estabilidade baseada no sacrifício do contingente feminino da sociedade está em extinção. A mulher, hoje, exige ser ouvida e respeitada - e as diferenças devem ser negociadas de igual para igual nos relacionamentos. Mesmo quando a paixão passa por cima das dificuldades provocadas por essa mudança, em algum momento elas aparecem e precisam ser enfrentadas. O medo do enfrentamento pode reforçar o apego ao trabalho duro e sem tréguas - por parte de ambos os sexos -, fortalecendo a aderência da pessoa ao sucesso e afastando-a do bálsamo proporcionado pela vida amorosa, estética e lúdica. Indivíduos e sociedade estão sofrendo. Urge, pois, uma mudança de mentalidade.