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Abrir-se à ética e à cultura é um estimulo à convivência amorosa

Paulo Sternick Publicado em 29/03/2006, às 18h17

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Paulo Sternick
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Quando duas pessoas se amam, é natural que fiquem absorvidas uma na outra. Os demais perdem interesse, e o mundo só não fica em segundo plano porque é sentido como útil para a satisfação do par. Isso é ainda mais intenso quando a relação se encontra no auge da emoção. O ambiente em volta, as pessoas, os problemas do mundo caem vítimas da indiferença do casal, que se sente soberano e autosuficiente, dispensando a tudo e a todos. Quase temos que dar razão a Sigmund Freud (1856- 1939). Ao examinar o fenômeno, o fundador da psicanálise afirmou que, em nenhuma outra situação, Eros - o deus grego, símbolo do amor e do desejo - revela tão claramente a essência e o objetivo de seu ser: o de fundir o casal num ser único. Disse mais: um casal nessas condições basta-se, nem de filhos precisa para ser feliz. Logo, porém, a espécie de egoísmo do casal auto-suficiente se depara com limites e contradições. Tal como um indivíduo, o par, por mais criativo que seja, necessita ser irrigado pelo contato com outras pessoas, no fértil e promissor intercâmbio de experiências, informações e identificações. E, lembraria Charles Darwin (1809-1882), precisa saber do mundo em que vive e trocar com ele, para sobreviver. Além do mais, o casal que se fecha sofre inevitável sufocamento, e o tédio desponta como um risco para a relação. Sim, porque também crescemos e ampliamos nossa subjetividade, a descobrir coisas novas e inesperadas no convívio social, o que enriquece a própria personalidade - e a dos outros. Com maior criatividade e informação, a vida dos pombinhos fica mais divertida. E, cedo ou tarde, quase não há jeito: o casal sente a necessidade de criar filhos, constituindo uma família. Enfim, a célula mater da sociedade. Desse modo, amor e civilização se complementam. A responsabilidade pela criação dos filhos liga o casal à sociedade de forma inelutável. Se havia, o esplêndido isolamento termina aqui. A preocupação com o destino de sua prole se estende ao lugar onde o casal vive e às características da cultura vigente. Nunca nos preocupamos tanto com as coisas em volta de nós do que quando criamos filhos. Por isso, a responsabilidade acaba abrangendo, para além da própria família, a cidade, a polis - portanto, a política. Pela lógica, o casal que cuida de seus filhos deveria também se preocupar em contribuir para o mundo em que eles crescem. Primeiro, civilizando a própria família, cuidando de seus valores e de sua ética. E não o contrário, engrossando o caldo da barbárie que ameaça tomar conta da vida social, sob o pretexto de que devem preparar os filhos para lutar na selva em que vivemos. Ou dando o mau exemplo, através da cínica postura de que hoje se dá bem quem é mais esperto, lixando-se para os valores éticos, que são o fundamento da civilização. O casal só tem a ganhar se aprofundar suas preocupações e participar das questões de seu tempo e de sua comunidade. Os parceiros sentirão maior consistência interior, sentimentos recíprocos mais profundos, pois ampliam o grau de consciência sobre os problemas que os afetam. A exemplo das pessoas da terceira idade que participam de algum projeto, e que, segundo pesquisas, vivem dez anos mais do que as outras absorvidas apenas em si, os casais que não vivem desligados da realidade social e zelam pela qualidade ética e cultural de suas vidas terão estímulo extra em sua convivência. Constituído por adultos capazes de fazer filhos e educá-los, um casal é o símbolo máximo da criação, da autoridade e da responsabilidade. Sua conduta é capaz de se projetar para além do próprio par ou da família, assim dando a sua cota- ínfima que seja - para que a sociedade se recupere de sua triste deterioração.