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Etimologia

<i>por Deonísio da Silva</i>*<br><br> Publicado em 04/01/2010, às 19h02

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Deonísio da Silva
Deonísio da Silva
Amarrar: do holandês marren, atar, ligar, pelo francês amarrer, que era marer no francês antigo. No século XIII, os gauleses já tinham também amarre, amarra, cabo, apoio. O étimo presta-se a muitos outros significados. Os presentes de fim de ano vêm amarrados, num sentido positivo, mas um sujeito de cara amarrada, ainda que não esteja preso a nada, parece descontente, como se tivesse perdido a liberdade ou desejasse outros laços. Pode ter significados positivos, como em amarrar-se a alguém, no sentido de noivar, casar, estabelecer laços estáveis ou apaixonar-se. Retardar um processo é amarrar as coisas, mas concluir tratativas ou projetos é amarrar as decisões de forma a que sejam cumpridas. A ideia inicial, porém, veio das lides náuticas, amarrar a embarcação, passando depois a sinônimo de atar, na pecuária - amarrar animais - e de resto na vida cotidiana. Como é costume usar cordas para isso, Giovanni Boccaccio (1313-1375), não sem ironia, escrevendo em época de fomes periódicas, descreveu uma terra maravilhosa, onde as montanhas eram de parmesão e a fartura era tanta que era costume em Bengodi - o nome do lugar, onde ele situa a oitava das 100 histórias do Decamerão - amarrar cachorro com linguiça. Benquerer: de bem, do latim bene, e querer, do latim quaerere, procurar, cuja grafia foi mudada depois do Acordo Ortográfico, que lhe retirou o hífen, deixando muitos lexicógrafos de cara amarrada com as amarras que prenderam o advérbio ao verbo com laços invisíveis, embutidos apenas no conceito. Na ceia festiva da passagem de ano, porém, todas as caras ficam desamarradas e novos laços de benquerer, ainda que invisíveis, vêm para simplificar a palavra, antes composta, bem-querer, como nestes versos de Djavan (61), nos quais aparecem as variantes bem-querer e bem querer, mas não benquerer, agora a correta: "Meu bem-querer/ é segredo, é sagrado/ está sacramentado/ em meu coração/ meu bem-querer/ tem um quê de pecado acariciado pela emoção/ meu bem querer/ meu encanto, estou sofrendo tanto/ amor, e o que é o sofrer/ para mim que estou/ jurado pra morrer de amor". Curtir: de origem controversa, provavelmente radicado no latim vulgar corretire, curtir, desgastar, por sua vez ligado ao latim culto retrire, com a variante reterere, desgastar. É possível que esteja ligado também a curtus, curto, porque, ao serem curtidos - o couro, as frutas - diminuem de tamanho. O verbo aparece nestes versos de Poemeus, de Ana Claudia Onishi: "Ancorar-me no presente./ Resgatar o meu amor./ Amor por mim/ Amor ao outro./ Curti-lo aos poucos/ Como vinho". De significado ambíguo, esclarecido apenas pelo contexto, este verbo pode designar momento de bem-estar, como em "aquela mãe curte muito os filhos", ou de mal-estar, ambos com hífen, como em "ele curtia a ressaca do ano-novo". Lamber: do latim lambere, lamber, chupar, ligado a lambiscare, lambiscar, comer aos poucos. Mas quando os pratos são saborosos, como é de praxe ocorrer nas festas de fim de ano, diz-se que referida comida foi de lamber os dedos. As origens da expressão prendem-se ao costume de dispensar talheres para as refeições. Tomando os alimentos nas mãos, alguns lambiam os próprios dedos, para aproveitar os últimos restinhos do sabor. O escritor português Garcia Resende (1470-1536) transcreveu a frase em versos nos quais alude a uma mulher "que lambeu o dedo depois de gostar". Saltério: do grego psalterion, pelo latim psalterium, saltério, instrumento musical de cordas dedilháveis muito mencionado na Bíblia, sobretudo no Antigo Testamento, para acompanhar salmos. São 150 salmos, divididos originalmente em três ou cinco livros que compunham o hinário de Israel. Muitos foram compostos pelo rei Davi (1015?-975 a.C.), que os recitava dançando ao som da cítara ou de címbalos, que podiam ser de corda ou de pratos metálicos, batidos um no outro, usados muito mais tarde nos mosteiros medievais para marcar os serviços religiosos. Os salmos têm em comum com os livros ditos legislativos um apego incondicional às leis divinas e oferecem alguns dos mais encantadores momentos poéticos, como estes: "Preparastes para mim uma mesa à vista de meus inimigos; ungistes com óleo a minha cabeça, a minha taça transborda".