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ÚLTIMAS FOTOS DE ANA CAROLINA, A DOCE MODELO MORTA POR ANOREXIA

DOENÇA ENCERRA A CARREIRA DA JOVEM PROMESSA PAULISTA AOS 21 ANOS; MUNDO DA MODA SE DEFENDE E GARANTE MAIS ATENÇÃO

CARAS Digital Publicado em 06/12/2006, às 15h14 - Atualizado em 16/01/2019, às 12h37

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Em sua última sessão de fotos, em SP, dia 18 de outubro, Carol parece saudável
Em sua última sessão de fotos, em SP, dia 18 de outubro, Carol parece saudável

por Janaína Pellegrini e Alberto Santiago A anorexia fez mais uma vítima e, desta vez, no meio ao qual a doença é mais associada: o mundo da moda. Aos 21 anos, a modelo paulista Ana Carolina Reston Macan era tida como uma promessa e sonhava, como todas, com o status de Gisele Bündchen (26). Já havia fotografado na Ásia e planejava trabalhar na Europa. Tudo acabou na terça, 14, às 7h10, no Hospital do Servidor Público Municipal, em São Paulo, quando Carol faleceu de insuficiência de múltiplos órgãos, septicemia e infecção urinária - segundo o atestado de óbito assinado pela médica Maria Cecília Speranzini Tosi - em decorrência de anorexia nervosa, que a levou aos 40 quilos de peso para 1,72m. "Não sabia o que estava acontecendo com minha filha", declara, aos prantos, a ourives Miriam Macan (58). Nascida em Jundiaí (SP), Carol era uma menina meiga e reservada que queria brilhar nas passarelas para dar à família humilde - a mãe, o pai, Narcizo (59), portador de Parkison e de Alzheimer, e o irmão, Rafael (20) - uma vida melhor. "Ela tinha oito anos e já desfilava com os meus vestidos pela casa", recorda-se Miriam. Aos 12, Carol se inscreveu num concurso de moda no clube local, sem a família saber. "Ela ficou em primeiro lugar e dizia que iria ajudar a gente sendo modelo", lembra Miriam. A partir daí, o sonho pareceu começar a se tornar real. No ano seguinte, em passeio pelo shopping da cidade, Carol foi descoberta por um olheiro - profissional que encaminha modelos à agências - que gostou dela, mas alertou que sua altura, à época 1,70m, seria insuficiente para a passarela. A chegada à primeira agência, a Ford Models, foi aos 16 anos. Lá Carol teve confirmada a suspeita de que seu tipo era comercial - igualmente lucrativo - e não o chamado fashion. "Ela insistia na carreira internacional, mas não tinha altura", conta Denise Céspedes (41), da Ford. Alheia às orientações, Carol mudou de agência dois anos depois e foi para a China, sempre pensando na família: quatro meses antes, a casa dos pais, um sítio na região de Jundiaí, foi assaltada. Ladrões agrediram Narcizo e Miriam e levaram quatro quilos de ouro - matéria-prima do trabalho da mãe. A situação se complicou, já que o único rendimento fixo é a aposentaria do pai, de cerca de 900 reais. Na China, Carol não ganhou o suficiente para mandar o dinheiro prometido e teve problemas com a agência. "Ana ligava falando que o dinheiro dado pela agência não sobrava nem para o papel higiênico, que ela e outras meninas pegavam em banheiros de lanchonetes", lembra Mirthes Reston (53), tia da modelo. Em 2004, Carol retornou ao Brasil com convicção, mas, sem saber, já doente. "Mãe, eles me venceram, vou ficar magérrima e fazer muitos trabalhos", prometeu ela, que fotografou para a Armani e a Dior na China. "Ela disse que perdeu dois grandes trabalhos, pois falaram que ela estava 'obesa', com o braço 'gordo'", recorda Miriam. Deprimida, Carol passou a esconder os braços com mangas largas e passou a comer menos. "Mas ela dizia estar bem", conta a mãe. Vivendo entre Jundiaí, com os pais, Pirapora do Bom Jesus, com Mirthes, e em São Paulo, ora com Daniela Grimaldi, ora com a prima Geyse (30), Carol foi alertada pela tia que estava doente. "Disse a ela que precisava se cuidar. Eles querem modelos magras, não doentes", lembra Mirthes. Ignorando os apelos, Carol foi para o exterior novamente. Em julho de 2005, foi enviada pela Nina Model Agency, de Brasília, para o México e os problemas aumentaram. Foi Lica Kohlrausch (46), da L'Equipe Agence, quem socorreu Carol, de novo sem trabalho, sem dinheiro e com o tíquete aéreo da volta vencido. "Ela me pediu que comprasse a passagem, mas eu não tinha dinheiro. Quis vender a casa, mas como faria isso da noite para o dia? Fiquei desesperada", emociona- se Miriam. "Modelos me ligaram de lá pedindo que ajudasse a Carol", recorda-se Lica, que, com o apoio de uma agência mexicana, abrigou a modelo. "Stella, da Chok Models, me contou que ela estava magrinha, mas parecia saudável. Pouco depois, Carol pediu que eu a mandasse para o Japão e a encaminhei para Osaka, onde ela desmaiou em uma sessão de fotos. A agência sugeriu a sua volta. Carol retornou ao México antes de voltar. Só em novembro de 2005, quando ela voltou para São Paulo, a conheci pessoalmente. Ela me pareceu magra, mas nada alarmante, de acordo com os padrões nos ensinados pelos profissionais do Projeto Saúde Modelo, que atende à nossa agência." O projeto ao qual a empresária se refere se trata de um acompanhamento médico sistemático e foi criado em 1997 pelo médico Mauro Fisberg, do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente da Universidade Federal do Estado de SP, Unifesp (veja box). "Quando a reencontrei, ela me disse: 'Mãe, eles me venceram mais uma vez. Não consegui.' Disse a ela: 'Filha, larga isso, vai fazer faculdade'", respondeu Miriam. Entre novembro de 2005 e outubro de 2006, Carol visitava a agência regularmente, sempre empenhada em voltar ao exterior, mas não contava às colegas - a quem apresentou, em junho, o novo namorado, o universitário Bruno Setti - que até o staff de Giorgio Armani (72) no Japão a havia taxado de magra demais para fotografar. "Ela reclamava que não tinha bons trabalhos. Eu avisei que só a mandaria em viagem quando tivesse certeza de que estava bem. Marquei com o Dr. Tommaso, Carol não apareceu", lamenta Lica, referindo-se ao psicólogo e psicoterapeuta Marco Antonio De Tommaso. "Conheci Carol ainda na Elite. Ela parecia magra, mas saudável, e preocupada em ajudar a família", diz Tommaso. Em 18 de outubro, Carol fotografou um editorial para o site Chic, de Gloria Kalil. No dia seguinte,posaria para uma revista de noivas, mas avisou que estava com febre e dor nos rins. Quatro dias depois, a dor aumentou e ela foi com a mãe para o Hospital Samaritano, em SP. Em seguida, foi transferida para o Hospital do Servidor Público, onde os médicos estranharam a resistência aos medicamentos e pediram a sua prima, Ekta Reston, que fizesse uma busca no apartamento de Daniela Grimaldi, onde estava uma bolsa com dezenas de analgésicos, antiinflamatórios, antibióticos e moderadores de apetite à base de anfetaminas. Segundo Geyse, o clube Lotus era o programa preferido da prima, que bebia na noite. O álcool anula o efeito de algumas drogas, o que a obrigava a reforçar as doses. Primeira vítima fatal da anorexia no meio da moda brasileira, Carol e seu drama chocaram o mundo fashion. "Espero que a tragédia alerte que a vida é preciosa. A alimentação é o nosso combustível. Sempre fui muito ativa e como bem para agüentar a correria do dia-a-dia", diz Gisele Bündchen. "Sem experiência e com pouco estudo, essas meninas chegam aos grandes centros carregando apenas sonhos, quase sempre insanos", diz Regina Guerreiro, editora de moda de CARAS. "Elas chegam com pouco dinheiro e profissionalismo nota 0, mas vão à luta. Não acredito na culpa das agências, elas obedecem às leis dos estilistas, que obedecem às leis da moda. Enfim, as coitadinhas desnutridas e, infelizmente, anoréxicas, viram o 'padrão' e acabam se transformando naquilo que todas as mulheres querem ser, senão não entram nos modelitos-fashion das vitrines", critica. Diante da tragédia, reação rápida. Criador do São Paulo Fashion Week, Paulo Borges (43) sugeriu que as agências exijam atestados de saúde periódicos das modelos, o que resultou em uma reunião, na sexta, 17, em que a medida foi aprovada. "Isso não é problema da moda. A anorexia é um distúrbio, uma doença", alerta ele, que discorda dos organizadores da semana de moda de Madri, que recusaram modelos com índice de massa corporal abaixo de 18. "Tudo o que é extremo é errado. Só educar e informar resolve", diz Paulo, encontrando eco em Mirthes. "Expomos a nossa dor por um motivo: que seja criada uma legislação para dar suporte a essas meninas", pede. "A profissão de manequim é regulamentada, a de modelo fotográfico, não. Isso tem de mudar", concorda Denise Céspedes. Acima de todas as discussões, fica a dor de Miriam, que encontrou no book de Carol um texto criado por ela que, agora, soa desesperado e emblemático: "Hoje é mais um dia para que eu voe por terras distantes, desconhecidas... pelo passado de fama que me faz sonhar que sou alguém importante... que sou vencedora e que tenho tudo o que necessito no meu mundo! Eu também não sei quem sou... tô diferente, frágil... Te amo mãe... perdão Deus..."FOTOS:Gustavo Scatena/Imagem Paulista, Reuters e Adelaide Ivanova/site:www.chic.com.br