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Bebê / Anuário

BEBÊ: A cor da tradição - Os significados da divisão do mundo das crianças em rosa e azul

Meninas preferem rosa e meninos azul, certo? Nem sempre. E mais do que uma simples questão de gosto, este e outros clichês influenciam o comportamento da criança

Ana Paula de Andrade Publicado em 07/09/2012, às 10h20

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Mundo rosa: Foto da artista JeongMee Yoon, que usa as cores para revelar semelhanças culturais entre as crianças; Tudo azul: O quarto do sul-coreano Taehyung com todas as suas roupas e brinquedos - JeongMee Yoon
Mundo rosa: Foto da artista JeongMee Yoon, que usa as cores para revelar semelhanças culturais entre as crianças; Tudo azul: O quarto do sul-coreano Taehyung com todas as suas roupas e brinquedos - JeongMee Yoon

Em 2011, mais de três milhões de pessoas acessaram o vídeo protagonizado pela garotinha Riley Maida, de apenas 4 anos. Filmada pelo pai em uma loja de brinquedos nos Estados Unidos, a pequena fez um discurso inflamado que questionava o porquê das meninas serem praticamente obrigadas a ter bonecas cor-de-rosa. “Algumas garotas gostam de princesas, outras gostam de super-heróis”, argumentava. “Então por que as meninas têm que comprar coisas cor-de-rosa e os meninos coisas de cores diferentes?”, perguntava indignada. A repercussão do vídeo levou Riley à bancada dos canais de TV americanos CNN e ABC e levantou uma discussão que vai muito além da paleta de cores.

O fato é que, ao entrar em uma loja infantil, conseguimos identificar facilmente duas seções: a destinada às meninas, onde o cor-de-rosa predomina, e a seção masculina, na qual o azul é tema da maioria das roupas, acessórios e brinquedos. Essa “divisão” parece tão antiga e natural que é raro alguém questionar o porquê. Ao contrário, as pessoas geralmente reforçam esse costume. Afinal, quem nunca esperou o resultado do ultrassom para preparar o enxoval e a decoração do quarto do bebê?

Mas nem sempre o rosa foi domínio feminino. Na década de 1910, duas influentes publicações americanas — o jornal Sentinel Sunday e a revista feminina Ladies’ Home Journal — recomendavam que as meninas usassem azul. “O pink é uma cor forte e decidida, mais adequada aos meninos, enquanto o azul, por ser delicado e charmoso, é mais bonito para as meninas”, dizia o editorial da Ladies’ Home. O rosa, então, era associado à masculinidade e ao poder. Depois da Segunda Guerra Mundial, muitos valores começaram a mudar, inclusive os estereótipos sexuais. E a questão da cor se inverteu. O rosa passou a ser associado às mulheres e usado exaustivamente pela indústria e pela propaganda como sinônimo de feminilidade. E não só no Brasil, mas em âmbito mundial.

É o que revela o “The Pink and Blue Project”, trabalho da artista sul-coreana JeongMee Yoon. Desde 2005, JeongMee fotografa quartos de meninas e meninos em diversos países e as imagens mostram um mundo separado pelas cores: os quartos femininos estão repletos de objetos e roupas em variados tons de rosa e lilás, enquanto os dos meninos são dominados pelos tons de azul. “Nos Estados Unidos, na Coreia do Sul e em outros lugares, as meninas adoram cor-de-rosa. É um fenômeno que acontece em diversos grupos étnicos, independentemente de suas origens culturais”, conta a artista.

Mas o que diz a ciência? Alguns estudos, como o conduzido pelos neurocientistas Anya Hurlbert e Yazhu Ling, da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, sugerem que as mulheres preferem os tons avermelhados porque há séculos eram elas as responsáveis pela coleta de frutas, enquanto os homens saíam para caçar. A capacidade de identificar as cores rosadas era fundamental para a sobrevivência. Mas nada foi realmente comprovado e muitos pesquisadores consideram o estudo pura especulação. “Talvez essa preferência se deva à influência da propaganda dirigida às meninas e a seus pais”, diz JeongMee. A artista acredita que as meninas são treinadas subconscientemente, desde muito cedo, a vestir cor-de-rosa para parecerem mais femininas.

É o que pensam as irmãs Abi e Emma Moore. As britânicas são idealizadoras da campanha Pinkstinks (ou o ‘rosa é uma droga’, em tradução livre), que já repercutiu em mais de 22 países. E neste ponto você pode se perguntar: o que isso tem de mal? Não é natural meninas gostarem de rosa e meninos de azul? Para as irmãs Moore, a “pinkificação” de roupas e brinquedos nada tem a ver com preferências biológicas e sim com interesses comerciais, que podem até prejudicar a auto-estima das crianças. “É como se houvesse apenas um jeito de ser menina”, diz Abi, referindo-se ao uso massivo do rosa. Segundo ela, a propaganda vende uma mentira às garotas ao comunicar, nas entrelinhas, que a beleza é mais valorizada que a inteligência. Tudo porque o rosa é geralmente usado em brinquedos ligados à vaidade, enquanto o azul é predominante em brinquedos que estimulam o raciocínio analítico. “As diferenças entre os objetos de meninos e meninas podem, sim, afetar seus padrões comportamentais”, diz JeongMee. “Muitos brinquedos e livros para as meninas são rosa, roxos ou vermelhos, e estão relacionados à maquiagem, moda, culinária e assuntos domésticos. Nos brinquedos e livros direcionados aos meninos geralmente predominam os tons de azul e se referem a robôs, ciência, indústria, dinossauros etc.”, acrescenta.

Segundo a psicóloga Adriana Takahashi, existe uma clara cisão imposta pela sociedade entre o universo feminino e o masculino. “E muitos pais contribuem para que isso aconteça, criando seus  lhos de forma diferente”, diz. Feminismo e cores à parte, a verdade é que a pequena Riley Maida tem razão: historicamente, as garotas são criadas para se comportarem como princesas e os garotos, como super- heróis. “As meninas são tratadas de maneira mais delicada e colocadas em situações de baixo risco. Já os meninos são sempre encorajados a fazer coisas audaciosas e serem mais agressivos. Essa diferenciação é modelada ainda
na infância e levada para a vida toda”
, diz Adriana. Para a psicóloga, cabe aos pais modificar esse comportamento, incentivando seus filhos a serem pessoas que saibam se impor em diferentes situações e não os ensinando simplesmente a seguir papéis preestabelecidos.